ENTREVISTA

Prepúcio: mitos, ritos e dores

 

Um pedaço de pele tão pequeno, e, no entanto, tanta discussão em torno dele: tirar ou não? Guardando as devidas proporções de significados e tabus, seria o prepúcio do órgão genital masculino um correspondente do hímen na mulher

 

por Wellington Torelli

Exageros à parte, a questão vai muito além dos movimentos contemporâneos que lutam pela permanência ou restituição da “pelinha”, como acontece nos Estados Unidos, com homens que se voltam contra tradições seculares de povos que impõem a extirpação assim que o garoto nasce.

Por isso, Sex Boys vem discutir ceticamente com o Dr. Jorge Roberto Gioscia-Filho, especialista em cirurgia vascular e medicina sexual, o ponto de vista médico sobre a real função do prepúcio e da circuncisão – e otras cositas más!

Sex Boys: Em que ocasiões a circuncisão é realizada?
Jorge Gioscia-Filho:
A postectomia, também conhecida como circuncisão, é a retirada do prepúcio, a pele que cobre a extremidade do pênis – a “cabeça”, conhecida como glande. A função principal do prepúcio é proteger a glande contra traumatismos, freqüentes no homem primitivo, que vivia nu. Na tradição judaica, todo menino recém-nascido faz a operação.
A circuncisão é provavelmente a cirurgia mais antiga do mundo e talvez uma das mais executadas. Frequentemente, é realizada por motivos familiares, culturais e religiosos e na ausência de qualquer problema peniano ou no prepúcio, ou mesmo por opção estética, muito mais comum nos dias de hoje.
A Organização Mundial da Saúde recomendou a circuncisão como forma de prevenção contra o HIV/Aids. Os especialistas da OMS se debruçaram sobre os números de estudos realizados no Quênia, na Uganda e na África do Sul, que provaram que a circuncisão reduz em até 60% a chance de um homem adquirir o HIV, já que, segundo trabalhos publicados, o prepúcio é formado por células mais suscetíveis ao vírus*.

SB: Gostaria que o senhor comentasse alguns problemas que acometem o pênis, especialmente na região da glande, e que incomodam o homem principalmente durante a relação sexual.
JGF:
Quando o prepúcio cobre toda a glande e forma um anel fibroso em sua extremidade, que não permite a retração da pele e nem a exposição da “cabeça”, temos a fimose, que deve ser corrigida por cirurgia, assim como condições como a parafimose [N.R:quando o prepúcio é retraído, mas, devido à fimose, não consegue ser colocado novamente na posição normal], freio curto e estrangulamento da glande.
O próprio homem vê a necessidade de resolver o problema, já que tem dor na penetração, sangramento do pênis ou do freio ou do próprio prepúcio. Também pode haver envelhecimento do pênis – um escurecimento da pele, que fica mais enrugada e quebradiça. Nesse caso, dependendo da avaliação, pode haver um tratamento com carboxiterapia, luz intensa pulsada, bioplastia ou medicações em forma de creme.
Os processos inflamatórios crônicos, chamados de balanopostites, as infecções de repetição com uma resposta à medicação, desconforto e até mesmo trauma durante a atividade sexual também são situações que tornam a circuncisão recomendável, sendo que, muitas vezes, ela já é definida pelo próprio paciente.
Entretanto, a simples presença de um prepúcio exuberante [N.R.: com excesso de pele] não é indicação cirúrgica, principalmente em crianças com menos de 12 anos – mas, seguramente, o aspecto estético, além da higiene, conta muito para os homens de hoje, e um pênis com a glande descoberta apresenta um aspecto estético mais jovial.
Outra possibilidade de indicação da postectomia é a diminuição da sensibilidade da glande em pacientes portadores de ejaculação precoce. A exposição da glande diminui sua sensibilidade e dá mais tempo entre o intercurso sexual e a ejaculação.

SB: Nos Estados Unidos, onde a circuncisão é realizada rotineiramente, há uma corrente a favor da restituição da pele do prepúcio entre homens adultos...
JGF:
A restituição da pele do prepúcio só se faria necessária na possibilidade de recompor alguma perda de pele sofrida ou por trauma ou por doença.
O aspecto estético, para mim, não é dos mais aceitáveis, já que é preciso expandir previamente a pele para recobrir a glande. Não vejo utilidade prática.

SB: A falta de higiene ou a higienização incorreta da região causam ardências e incômodo na glande. Há mais algum outro risco que pode acometer o pênis? Qual a higienização correta?
JGF:
São importantes a observação e a apalpação dos genitais. É bom fazer um auto-exame demorado, apalpando a bolsa escrotal e os testículos, sentindo sua forma ovalada, envolvida por pequenos canais, os túbulos seminíferos.
Essa apalpação do escroto pode ser de grande valia na avaliação de tumores de testículo, hérnias, varicocele e hidrocele, alterações que o próprio paciente pode identificar ainda em períodos iniciais, o que facilita sensivelmente o tratamento.
Aproveitando as mãos ensaboadas, o próximo passo é tracionar de leve o prepúcio até a exposição total da glande. Com cuidado, lavar o pênis – e fazer um outro exame mais detalhado, especialmente da glande, pode prevenir uma série de moléstias.
É preciso explicar ao homem a importância do exame da glande, do freio, da presença de lesões e até mesmo de ardência na hora de urinar. O mesmo toque é direcionado ao ânus. A leve passagem do dedo pode avaliar a existência de quaisquer alterações, como pequenos pólipos, sinais de hemorróidas (mamilos hemorroidários) ou fissuras anais – além de desmitificar a história de que homem não pode tocar o próprio ânus.

SB: A mulher tem o costume de visitar rotineiramente o ginecologista antes mesmo de iniciar sua vida sexual ou após a primeira menstruação. O homem deveria fazer o mesmo? JGF: Certamente. Temos o hábito de só procurarmos uma avaliação médica quando já temos um problema, e não para previni-lo.
Nós nos esquecemos de que o câncer de próstata mata muitos homens todos os anos. As DSTs, e não só a aids, podem agir de forma silenciosa. As lesões do reto e do canal anal, além das hemorróidas, também podem ser prevenidas. Basta uma visita a cada seis meses ao seu médico.


* A recomendação de adotar a circuncisão como estratégia de prevenção contra o HIV/Aids, segundo a OMS, é válida apenas para “países com epidemias generalizadas e baixas taxas de circuncisão”, além da ressalva de que é necessário respeitar a cultura local. Vale também destacar que os estudos se referem apenas à transmissão heterossexual, via vaginal, de mulher para homem. Ainda não há dados sobre a transmissão homem-mulher, nem sobre o sexo anal hétero ou homossexual (fonte: revista Sexsites nº 70).