REPORTAGEM
por Vides Júnior e João Marinho
Encarar seu ator pornô preferido em ação na sua própria tevê é uma delícia. Alguns chegam a colecionar filmes, que são tão numerosos que podemos até afirmar que vivemos uma época de ouro do cinema pornô gay.
Entretanto, se hoje dispomos de todo esse entretenimento, a ponto de termos nosso próprio “Oscar” (o prêmio GayVN), é porque, no passado, houve quem tornasse essa liberdade possível - e se achamos que esta é uma época de ouro do pornô, é porque não vivemos os anos 70 e 80...
Em preto e branco
A história, entretanto, vem ainda de mais longe. O cinema pornô nasceu em P&B, às margens do cinema tradicional, e se manteve assim por um longo período.
Dizem que o primeiro filme pornô - hétero - é o La Bonne Auberge, filmado em Paris no início do século 20 e no qual prostitutas interpretavam... Prostitutas.
Nas primeiras décadas daquele século, pessoas de maior poder aquisitivo já podiam comprar uma filmadora de fita, que funcionava a manivela. Por causa disso, a maioria dos filmes era feita por entusiastas que gravavam as transas e divulgavam entre seus amigos.
As produções tinham poucos minutos e eram encenadas por prostitutas, anônimos ousados e até doentes mentais. Heterossexuais, essas obras dominaram o mercado explícito até por volta dos anos 50. Eram chamadas de stag films, pois eram exibidas em bordéis ou reuniõezinhas frequentadas somente por homens, as stag parties (em inglês, um dos sentidos da palavra “stag” é “somente para homens”).
Certos tabus para a época já frequentavam os stag films. Segundo os historiadores Arthur Knight e Hollis Alpert, cerca de 20% deles, por exemplo, tinham lesbianismo. Transas gays também apareciam, mas só em 1% das produções.
Na verdade, não havia ainda uma demanda gay, e as transas entre homens apareciam como uma espécie de “plus” exótico dentro do segmento hétero. Muitas vezes, para “justificá-las”, um dos rapazes era “confundido” com uma mulher no decorrer da cena. O cinema pornô era feito às escondidas, e o nascente pornô gay, feito escondido daqueles que se escondiam - o que não era muito favorável para a produção e posterior conservação dos filmes...
A primeira produção não-pornô a mostrar uma relação homossexual surgiu em 1933: Lot in Sodom, da qual, infelizmente, apenas alguns trechos foram conservados. No mercado explícito, os gays tiveram de esperar até os anos 50 para ver seu segmento realmente começar a se desenvolver.
Nessa época, surgiu o physique cinema, filmes com atores jovens e musculosos posando para a câmera. Logo apareceriam os wrestling films, em que homens supermásculos de torsos nus lutavam por longos períodos, num homoerotismo maldisfarçado.
Filmes pornôs gays softcore chegaram a ser distribuídos pela Creative Film Associates e pela empresa nova-iorquina Cinema 16, do austríaco Amos Vogel. Entretanto, nos Estados Unidos, foi somente em 1968 que apareceu a primeira sala de cinema a comercializar obras de temática gay e nu masculino, em Los Angeles.
A ideia também vingou em Nova York e outras grandes cidades, e, em 1969, ano em que se iniciava o movimento de liberação gay em Stonewall, os primeiros filmes hardcore como conhecemos hoje vieram à luz - por incrível que pareça, mais ou menos na mesma época em que os héteros, embora, é claro, contassem com um circuito de exibição bem menor.
Arte e pornografia
Entre as décadas de 70 e 80, o cinema pornô já explodia como uma vertente lucrativa.
No tempo das calças bocas de sino, salas de cinema convertiam-se à exposição de filmes explícitos e arrebatavam um novo público. Havia também preocupações artísticas em criar roteiros com personagens, locações, diálogos e situações debochados. Não por acaso, em 1972, surgiria o maior épico do cinema pornô: o hétero Garganta Profunda.
No segmento gay, Boys in the Sand, de 1971, rompia definitivamente com a fase oculta e marginal - e, ao longo da década, o gênero progressivamente se caracterizaria pela maciça presença de atores másculos e peludos.
No cinema não-pornô, talvez o maior ícone seja Querelle, do diretor Rainer Werner Fassbinder. O filme, de 1982, narra a história de um marinheiro recém-chegado ao cais que vive situações em clima underground, mas sempre com um erotismo latente e uma dose de perigo ou violência. A inspiração nos desenhos de Tom da Finlândia era visível.
O início da década de 80 trouxe também o videocassete e a aids. Toda a indústria se viu tentada a baratear os custos de produção e a oferecer um produto para quem não entrava num cinema pornô. Além disso, entre os gays, o HIV reduzia o espaço público para o sexo - que já ocorria naqueles cinemas -, e há quem atribua a isso um impulso adicional aos filmes feitos “para casa”. Infelizmente, a aids também vitimaria não poucos atores...
O pornô gay terminou o período como um segmento já consolidado e com uma mudança no tipo físico masculino dominante - agora, bem mais liso -, abrindo as portas para as “barbies”. Entre o final dos anos 80 e início dos 90, atores como Chad Johnson, Joey Stefano e Tim Barnett faziam enorme sucesso e já se exploravam fetiches que permanecem vivos ainda hoje.
Transmutação
Na década de 90, já eram poucos os filmes pornôs, gays ou não, que estreavam em cinemas. O público simplesmente havia migrado para seus quartos ou salas de estar - e, na nova fase, foi presenteado com verdadeiros deuses, como Jeff Palmer, Lukas Ridgeston, Ken Ryker e Pavel Novotny.
Atualmente, o número de filmes lançados mensalmente supera o que, no passado distante, era produzido anualmente. Nós mesmos, da Sex Boys, distribuímos em média três produções por mês e fomos padrinhos de grandes nomes do pornô nacional gay, como Poax Lenehan, Sam Mendes e Victor Manzini.
Hoje em dia, com a popularização da tecnologia, qualquer um pode ser ator ou diretor, e há muitos sites que exploram esse material amador. Aonde isso vai dar, não sabemos - mas uma coisa todos intuímos: ainda tem muito gozo pra jorrar...
Para saber mais
www.glbtq.com/arts/porn_gay.html
en.wikipedia.org/wiki/Gay_pornography
Legendas
1- Al Parker, um dos primeiros ícones do pornô gay.
2- The Other Side of Aspen 1, gravado em 1979, trazia no elenco atores típicos dos anos 70, viris e peludos.
3- Lukas Ridgeston.
4- O filme Mirage, com Tim Barnett na capa.
5- Pavel Novotny.
6- Ken Ryker.
7- Victor Manzini.
Publicado em 12/04/2011. / Créditos das imagens: Reprodução.