ARTIGO

PLC 122/2006: não à homofobia!

Entenda o que fala esse projeto, que representa um avanço na igualdade de direitos, mas tem sofrido oposição ferrenha de conservadores.

por Thaís Carapiá

Infelizmente, cada vez mais, temos nos deparado com notícias trágicas sobre discriminação e agressão contra homossexuais no Brasil. O número de ataques que resultam em morte é alarmante. Mais de 250 LGBTs – lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis – foram assassinados em 2010 em razão de sua condição, ou a brutalidade do crime foi pior devido a isso, segundo pesquisa do Grupo Gay da Bahia (GGB), em fase de conclusão. Os dados representam um aumento de mais de 30% em relação ao ano anterior e tornam o Brasil campeão em número de assassinatos de LGBTs no mundo.

Há 12 anos, o GGB reúne material veiculado pela imprensa do País acerca de homicídios de LGBTs. Imagine o que não chega às redações. "A homofobia existe no Brasil, e é explícita", diz a advogada especialista em direito homoafetivo, ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e vice-presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM) Maria Berenice Dias. "A única forma de coibir esse tipo de postura é criminalizando [...]. Não é só botar na cadeia quem faz. Esse tipo de lei tem um efeito didático significativo: as pessoas acabam se dando conta de que é crime discriminar homossexuais", explica.


Origem e trajeto
Para proteger a população LGBT contra a discriminação, a então deputada federal Iara Bernardi (PT/SP) apresentou, em 7 de agosto de 2001, o Projeto de Lei (PL) nº 5003/2001. Em 2005, o projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara mediante parecer e substitutivo do então deputado e relator Luciano Zica (PT/SP).

Em 23 de novembro de 2006, graças a uma ação do deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), que fez um requerimento de urgência, e a um acordo entre líderes de partidos num dia em que a Câmara estava vazia e a bancada evangélica ausente, foi aprovado e seguiu para o Senado, onde ganhou o título de PLC (Projeto de Lei da Câmara) 122/2006.

O que ele diz

O PLC não lida com assassinatos e agressões, mas tem um efeito educativo por definir como crime atos discriminatórios motivados por orientação sexual e identidade de gênero. Na prática, altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, e equipara a homofobia à discriminação por raça, cor, etnia, religião e procedência nacional. O autor do crime fica sujeito a pena de reclusão e multa.

No Senado, o PLC foi novamente alterado pela então senadora Fátima Cleide (PT/RO) em 2009, aliada dos gays e responsável pela relatoria em duas comissões – a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) e a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).

O substitutivo da ex-senadora tornou a redação mais simples. Igualou todas as penas ao crime de racismo, eliminou muitos artigos que citavam situações particulares de homofobia e, de quebra, incluiu entre idosos e pessoas com deficiência entre os grupos protegidos.

Com as alterações, ele foi aprovado na CAS, faltando as análises da CDH – onde se julga que não seria difícil passar – e da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, esta mais difícil e onde a oposição tem mais poder de fogo.

Se passasse pelas duas e, em seguida, pelo plenário do Senado, o projeto voltaria para a Câmara, já que foi alterado. Um longo processo até à sanção da presidente Dilma se passasse lá novamente.

Arquiva, desarquiva

Esse era o estado das coisas até 2010. Em 12 de janeiro de 2011, o PLC foi arquivado, conforme publicado no site do Senado (www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=79604). A prática é normal: arquivam-se projetos não votados no mandato anterior. Para retomar seu trâmite, são necessárias as assinaturas de 27 senadores nos primeiros 60 dias de trabalho legislativo.

A senadora Marta Suplicy  não perdeu tempo. Logo nos primeiros dias de sua atuação política como senadora, assumiu oficialmente a relatoria do projeto e conseguiu as 27 assinaturas necessárias para seu desarquivamento.

Atualmente, o projeto se encontra em exame na Comissão de Direitos Humanos (CDH), sendo um substitutivo aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS). Em seguida, terá que passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), para só então ser votado no plenário do Senado.  

Se aprovado, o projeto volta para a Câmara e só depois segue para a sanção ou veto da presidente Dilma Rousseff.

Análises para o futuro

O presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Toni Reis, se diz esperançoso diante da presidência de Dilma Rousseff e diz que a atual configuração do Congresso é mais favorável aos LGBTs.

Segundo ele, com base em um levantamento preliminar, há em torno de 150 parlamentares com história de defesa da livre orientação sexual e identidade de gênero.

Também para Julian Rodrigues, ativista do CORSA, ONG de São Paulo, e membro da comissão executiva do Fórum Paulista LGBT, o Senado agora tem uma composição mais favorável: muitos senadores têm compromisso com o movimento gay, como Lídice da Mata (PSB/BA) e Lindberg Farias (PT/RJ). "Existe uma Frente Parlamentar pela Cidadania LGBT. O que se tem de fazer é rearticular a frente no Senado", diz ele.

A oposição

O projeto tem sido alvo de duras críticas por parte da bancada religiosa, liderada, no Senado, por Marcelo Crivella (PRB/RJ) e Magno Malta (PR/ES). "Não é que eles [NR: religiosos fundamentalistas] sejam contra os homossexuais somente. Eles são contra até o divórcio. Ainda pregam aquela família convencional [...], a mulher tem de se submeter, violência doméstica é um direito, [...] casamento com fins procriativos. Um retrocesso de um século", diz Maria Berenice.

"O que eles resistem é que, se for criminalizada a homofobia, 'nós não vamos mais poder falar mal dos homossexuais nos nossos cultos'. Bom, se não em uma solenidade pública, eles até podem. Depois, vêm com aquela que 'depois, nós seremos obrigados a casar homossexuais'. Ninguém vai ser obrigado [...]. A lei só pune posturas discriminatórias", completa.


Fotos:

Maria Berenice Dias: www.mariaberenice.com.br

Iara Bernardi: iarabernardi.blogspot.com

Marta Suplicy: pcsouzabv.blog.uol.com.br

Publicado em 17/03/2011.