ARTIGO
por João Marinho
Há alguns anos, na faculdade, um professor meu apresentou-me uma versão do quadrado semiótico de Algirdas Julius Greimas, do qual podíamos extrair definições de verdade, mentira, segredo e falsidade. Greimas talvez seja desconhecido de boa parte do público, mas o quadrado, acho relevante descrevê-lo.
No canto de um papel, à esquerda, escreva a palavra Ser. Do lado oposto, escreva Parecer; embaixo de Ser, escreva Não Parecer; e, embaixo de Parecer, Não Ser. Trace quatro linhas: uma deve ligar Ser a Parecer; a outra, Parecer a Não Ser; a terceira, Não Ser e Não Parecer; e a última, fechando o quadrado, Não Parecer e Ser. Há outras linhas possíveis, mas, por enquanto, só essas nos interessam.
Ensinava meu professor que a linha que liga Ser e Parecer é o eixo da Verdade: é verdadeira uma coisa que é e que parece ser; entre Parecer e Não Ser, há o eixo da Mentira: algo que parece, mas não é. Temos uma Falsidade se algo não é e não parece; e um Segredo se algo não parece, mas é.
Enquanto homossexuais, durante boa parte de nossas vidas, permanecemos no eixo do Segredo: somos, mas não parecemos. Somos gays lá, “entre quatro paredes”, mas os “outros” não têm de saber.
É possível concluir, então, que assumir a homossexualidade representaria uma mudança para o eixo da Verdade: sou gay e pareço ser, já que não tenho mais o que esconder.
Entretanto, não é o que se verifica no dia a dia. Para muitos gays – assumidos, inclusive –, é até legal não esconder: mas uma pessoa detectar “de cara” que eles são gays é quase um insulto. O legal é ouvir um “ah, você é gay?! Nossa, mas nem parece!”. Por que isso?
Parte da resposta se encontra na origem da homofobia (aversão a homossexuais) dentro do machismo. O machismo sustenta que, ao homem, é reservado o melhor status – desde que, é claro, ele se comporte como “macho”.
O homossexual é, por assim dizer, um “macho incompetente”: renega sua “macheza” em favor de um comportamento “feminino”, especialmente o de ser penetrado – e o machismo evidentemente considera inferior o que é feminino.
Pior ainda é haver esse comportamento e ele ser notado. Daí, o enorme preconceito contra os efeminados – e o porquê de tantos gays másculos condenarem os mais delicados: é como se dissessem que são mais “machos” e merecem, portanto, umstatus superior.
Ser gay e não parecer faz eco à ideia de que, aos “machos”, naturalmente cabem os melhores lugares; e, sendo parecidos com eles, nos tornamos signatários desses direitos. Ser gay e parecer equivale a ser efeminado e a ser inferior.
Não é preciso apontar que há tudo de errado e injusto nessa história. Ademais, “parecer gay” não soa muito relativo, dependendo do avaliador?
Portanto, da próxima vez que você ficar feliz ao ouvir um “não parece” ou se chatear porque alguém “notou” que você é gay, lembre-se de que ser e parecer não é bem uma questão de ser desvalido – mas, muitas vezes, de ser verdadeiro.
Publicado em 13/09/2011.