REPORTAGEM

Meu pai gay

Não é de hoje que homossexuais desejam casar e ter filhos. Muitos, no passado, fizeram isso – mesmo que tenha sido com mulheres, em casamentos héteros. Hoje, um filho e uma filha, já adultos, contam como é ter um pai gay.

por Graziele Marronato

Quando comemoram o Dia dos Pais, muitas famílias se deparam com uma situação um pouco inusitada. No almoço, alguns filhos não encontram a mãe ou a namorada do pai – mas o namorado dele.

Enquanto as bandeiras do casamento gay e da adoção por homossexuais são levantadas nas mais de 100 Paradas Gays por todo o País, ter um pai gay já é realidade para muitos brasileiros há um bom tempo.

Andréia Pinheiro, 18 anos, estudante de Salvador, descobriu que o pai era gay aos 10 anos de idade. “Foi um susto, e ele nem chegou a se assumir [...]. Eu e meus irmãos só fomos ter certeza quando o namorado dele foi morar lá em casa”.

Andréia já não era muito próxima do pai por outros motivos, e a homossexualidade não mudou a relação dos dois – mas ela confessa que achou o máximo ter um pai gay que imitasse tão bem a Gloria Gaynor...

Já para o também estudante Gabriel Braga, de Belo Horizonte, a descoberta veio aos 15 anos. “Saímos pra jantar, e ele perguntou o que eu e meu irmão achávamos dele. Falamos algum adjetivo qualquer, e ele emendou que, além daquele, havia outro: homossexual”, conta.

O estudante não nega que ficou confuso.“Eu era novo, fiquei um pouco sem saber como lidar... E tinha mais: além de ser gay, ele resolveu abrir mão de sua vida privada para se dedicar a uma causa pública”. O pai de Gabriel é Oswaldo Braga, fundador e presidente do Movimento Gay de Minas (MGM). “Essa era uma causa, a dos LGBTs, que, até então, eu acreditava que não era a minha”, diz.

A vida dos dois começou a se distanciar um pouco por causa disso. Anos depois, quando já estava na faculdade, foi que uma ida de Gabriel a Juiz de Fora iniciou uma reaproximação que só trouxe coisas boas para os dois. É em Juiz de Fora que seu pai organiza o Rainbow Fest, um dos maiores eventos gays do Brasil.

O que dizem os psicólogos

Essa questão de homossexuais que têm filhos tem sido discutida há algum tempo. Em 1998, por exemplo, o psicanalista Acyr Maia, autor de Psicologia e Homossexualidade, afirmou, em seu livro, que nada impede que casais homossexuais eduquem com sucesso uma criança, pois, “de acordo com a psicanálise, a função materna e paterna são exercidas pela linguagem – e qualquer pessoa, independente do sexo biológico, pode suprir essa carência”.

Para a psicóloga clínica Kátia Horpaczky, o maior problema a ser enfrentado por essas crianças é a agressão social: “Elas farão parte de um modelo familiar que foge ao padrão de ‘normalidade’ e poderão servir de alvo para piadas e brincadeiras desagradáveis”.

Para enfrentar isso, Andréia e Gabriel tiveram, antes, de se aceitar como filhos de homossexuais. “Essa questão nunca foi segredo, todos sabem”, diz a baiana. “Meus amigos até acham graça e perguntam como é que eu posso achar isso tão normal”.

Gabriel também está muito mais tranquilo em relação à sexualidade do pai. “Antes, confesso, dizia apenas que ele trabalhava em uma ONG, mas hoje tenho muito orgulho de falar que ele é o presidente do MGM e faço questão de explicar o que a sigla significa. Já trouxe até meu pai para fazer uma palestra na minha sala de aula na UFMG”, conta o filho coruja.

De fato, nada como o tempo e o conhecimento para ajudar filho ou a filha a lidar com suas novas realidades. “Hoje em dia, sinto muito orgulho da luta dele, de como isso foi importante para eu rever uma série de conceitos e preconceitos”, explica Gabriel. Andréia, hoje, não tem muito contato com o pai, “mas tive uma criação maravilhosa e nunca tive preconceitos”, afirma.

Preconceito

Depois da auto-aceitação, o passo seguinte é encarar a reação dos outros – principalmente dos amigos. “Quando me zoavam”, conta Andréia, “eu me juntava com a galera para rir também. Quando eles começaram a perceber que eu não me importava, pararam”.

Já Gabriel diz que nunca foi discriminado: “Engraçado isso, porque me lembrou de algo que meu pai falou na palestra que deu na minha faculdade: ‘se eu sou minoria, meu filho, Gabriel, é ainda mais minoria’. Então, fico pensando: se sou mais minoria, por que não sofro discriminação explícita? Não sei responder... Por ser hétero? Acredito que algumas pessoas possam tecer comentários maldosos, mas, como não me preocupo com a imagem social que fazem de mim, eles que se f...”, diz o rapaz.

Gabriel e Andréia são unânimes em criticar a hipocrisia da sociedade, que finge não ver que todo tipo de família é possível. Quem sabe, se cada vez mais pessoas ouvirem o recado dos dois, outros Dias dos Pais não serão comemorados com mais alegria?