REPORTAGEM

Jovens descamisados

Deu no UOL de 26/09/11: o número de jovens que mantiveram relações sexuais sem preservativo nos países ocidentais registrou forte alta nos últimos dois anos. Entre os motivos apresentados por comentaristas e especialistas, estão uma crescente irresponsabilidade e o fato de os jovens de hoje não terem visto o problema do HIV/Aids tal como se apresentou na década de 80 e início dos anos 90 - mas será que tudo se resume a isso?

por Erik Galdino

É na juventude que os prazeres e limites são testados e muitos saem em busca de seus ideais, estejam eles onde estiverem. Isso inclui a busca pelo prazer sexual -e, para muitos, isso significa sexo sem camisinha, pele na pele.

No entanto, é importante ressaltar que não estamos necessariamente falando sobre a prática do barebacking, que, no Brasil, tem uma conotação muitas vezes equivocada.

Embora a gíria “bareback” tenha se tornado usual para se referir a qualquer sexo sem camisinha -até na classificação de filmes pornôs -, no sentido estrito do termo, a essência do “movimento”, se é que podemos chamá-lo assim,é não se importar com, arriscar-sea pegar ou mesmo desejar o “gift” (presente), ou seja, o HIV. Não é o caso de muitos jovens com quem conversamos...

Prazer versus informação
Em chats na internet, é muito comum encontrar pessoas procurando sexo desprotegido. “Semana passada, conheci um cara pela internet que queria bareback. Não é a primeira vez. Eles ficam a fim sem nem me conhecerem”, conta Júnior*, 20 anos. “Ele me perguntou se eu curtia. Eu respondi que não, e ele sumiu”.

No entanto, pessoas que se abstêm do preservativo também estão aí, na “vida real”. Em clubes, roda de amigos, balada... Sempre tem alguém que transa sem camisinha, com namorado ou parceiro fixo. Alguns, também com gente que acabou de conhecer. Ativos, passivos e versáteis, eles estão disponíveis em todas as versões, e a máxima do prazer é sentir a pele e o gozo do outro.

Não é difícil encontrar garotos como Eduardo*, 21 anos, estudante de publicidade: “Um dia, estava com muito tesão, e o cara era superbonito. Saímos da boate e fomos para o apartamento dele. Lá, tinha camisinha, gel, tudo... Mas preferimos o risco em troca do prazer. Eu gosto de sentir o cara gozando dentro de mim, gosto de sentir a porra escorrendo depois”. O detalhe é que isso não tem relação alguma com falta de informação, pois “desde muito cedo, meus pais me falam da importância da camisinha -mas eu, às vezes, faço sem. Acho excitante”, completa o futuro publicitário.

Questionado sobre os riscos de adquirir doenças sexualmente transmissíveis e HIV/Aids, Eduardo concorda que “o risco de transar com um desconhecido sem a borracha é grande, mas o tesão, às vezes, fala mais alto”. Na hora de uma testagem, sempre há muito medo. “Sempre acho que vai dar um problema, mas, até hoje, não peguei nada. Já fiz uns 10 exames”.

Sustos
Nem tudo, porém, são flores. Sustos acontecem! “Comecei a ficar com um cara que era amigo de um amigo. Achei que ‘tudo bem’. Transamos sempre sem camisinha. Ficamos juntos pouquíssimo tempo, menos de dois meses -mas, depois de um tempo, esse amigo que nos apresentou me contou que o rapaz estava com HIV. Fiquei desesperado e fui imediatamente fazer o exame, mas não tive coragem de buscar”, conta Bruno*, outro jovem.

Ele teve sorte. “Depois de alguns meses, tive de doar sangue, e o resultado chegou à minha casa. Não deu nada, mas, depois disso, passei a pensar melhor sobre transar sem camisinha. Hoje, eu faço sexo sem -mas é com meu atual namorado. Estamos juntos há um ano e fizemos teste no CTA [NR: Centro de Testagem e Aconselhamento] antes”.

Risco controlado?
Embora casos como o de Eduardo sejam comuns -e possam estar por trás do recrudescimento da infecção pelo HIV entre homens gays e bis jovens, segundo boletimepidemiológico do Ministério da Saúde -, uma outra parcela de jovens, talvez ainda mais expressiva, faz eco à última experiência de Bruno e retira a camisinha só depois de uma certa estabilidade na relação.

Esse é o caso de Larion*, 22 anos, de Curitiba, que namora há três anos. Larion já transou sem preservativo com um parceiro eventual, “mas por falta de maturidade. Jamais repetiria isso hoje, por exemplo”. Também, segundo ele, faltava-lhe informação.

O curitibano, no entanto, admite abolir o preservativo numa relação fixa. Ele e o namorado usaram camisinha só “no começo, cerca dos dois primeiros meses. Depois, decidimos que não usaríamos mais. Queríamos um relacionamento sério”. A decisão também se deu pelo “desconforto”. “Ele começou a tirar a camisinha, porque se sentia desconfortável com ela”, conta Larion. “Às vezes, perdia a ereção. Ainda assim, quando a situação era inversa, eu não tirava. Com o tempo, decidi que também não usaria. De que valia só eu usar, e ele não?”.

Sobre os testes de HIV, Larion diz que o namorado “era virgem ainda, tinha 17 anos. Eu, com 18, já não era mais... Mas fui fazer uma cirurgia plástica e, entre os exames, tinha o teste anti-HIV”.

Thiago*, 23 anos, formado em administração de empresas, foi ainda mais cuidadoso. Em uma relação que conta dois anos, transa sem camisinha há um ano e meio. “Começamos a namorar, e o sexo era sempre com a camisinha”, conta ele. “Depois de três meses, decidimos que faríamos testes [...]. Fizemos um, esperamos mais três meses e fizemos outro. Como estava tudo ok, nunca mais transamos com”.

Pedras no caminho
Claro que nem tudo sai tão perfeito. “A gente se conhecia bem e tinha bastante confiança. Sempre transávamos com camisinha, mas, um dia, eu quis fazer sem. Comecei a penetrar, e ele não se importou. Depois disso, ambos fizemos o teste -mas não antes”, ressalta Júnior.

De toda forma, relacionamentos como esses são calcados na confiança: “Se for haver traição, que um ou o outro use a camisinha e não estrague o ‘círculo’ de segurança”, diz Larion.

Para Thiago, funciona. “Quando eu transo com outros caras sem que meu namorado saiba, eu uso. Faço tudo com muita segurança. Não posso colocar minha integridade física na mão de qualquer um e também preciso pensar nele, que depositou sua vida na confiança que temos um pelo outro”.

Há, porém, perguntas que não querem calar -e se acontece algum “acidente” ou uma “derrapada”? Será que se conta para o namorado? Esses jovens têm algo a dizer sobre a forma como são comunicadas as políticas de prevenção? São questionamentos que estão só no começo!


* Nomes trocados para preservar identidades. De acordo com as políticas de prevenção, Sex Boys recomenda o preservativo em todo e qualquer contato sexual.


Publicado em 15/09/2011. Atualizado em 27/09/2011.