REPORTAGEM

iPrEx: uma luz no combate à Aids

O estudo, iniciado no Brasil em 2007, é uma esperança àqueles que lutam contra a epidemia.

por Thais Iervolino

Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. Nem todos, ao ler o nome completo da doença, sabem ao certo o que é, mas é só visualizar seu nome mais conhecido, aids – na verdade, uma sigla –, que muita gente lembra de seus impactos: maior vulnerabilidade do organismo em relação a vírus, bactérias, protozoários e outros invasores. Ainda sem cura, a aids é responsável pela morte de 2,2 milhões de pessoas por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

No entanto, o que ainda está menos difundido em nossa sociedade é que estudos para conseguir sua cura e diversificar as estratégias de prevenção ao HIV estão sendo realizados às dezenas. Mais ainda: que uma das pesquisas mais promissoras é feita no Brasil, a Iniciativa Profilaxia Pré-Exposição (iPrEx).

Desenvolvido para prevenir a infecção do vírus HIV, o estudo tem como público-alvo os homens que fazem sexo com homens (HSHs), gays, travestis e mulheres transexuais. Segundo o site do estudo (www.iprex.org.br), os métodos de prevenção são avaliados de acordo com sua possibilidade de uso nas populações que vulneráveis ao HIV:

“Microbicidas e circuncisão estão sendo avaliados em populações de mulheres e homens heterossexuais. As opções disponíveis para a população de gays, bissexuais, travestis e transexuais são limitadas. O uso de profilaxia pré-exposição é uma das poucas disponíveis. Por isso, se dá prioridade a esta população”.

Novas estratégias

Hoje, a iniciativa está em andamento em seis países. Além do Brasil, Estados Unidos, Peru, Equador, África do Sul e Tailândia. O iPrEx busca descobrir se o uso de um medicamento, tomado uma vez ao dia, pode complementar o sexo seguro para prevenir a infecção pelo vírus.

“O número de infecções pelo HIV ainda se mantém em patamares elevados no Brasil [640 mil]. Pesquisas indicam que o uso frequente do preservativo é relatado por cerca de 40% dos gays e outros HSH com parceiros fixos e sobe para algo em torno de 60% com parceiros eventuais [...]. Esses dados demonstram a necessidade de novas estratégias que possam complementar o sexo seguro na prevenção ao HIV”, diz Ricardo Gambôa, coordenador de Recrutamento e Retenção de Voluntários do iPrEx.

O estudo conta com o trabalho de 24 pessoas, entre psicólogos, enfermeiros, farmacêuticos, infectologistas, técnicos e pesquisadores, além de laboratórios e outros serviços da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Edmilson Medeiros coordena a área de Educação Comunitária, cuja principal função é abrir o diálogo e a articulação entre a equipe que faz a pesquisa e a comunidade em que o estudo vem sendo desenvolvido, por meio de atividades educativas e formativas.

Entre elas, visitas a casas noturnas e lugares de grande concentração do público-alvo do iPrEx.

As visitas são feitas sempre à noite, e, na maioria das vezes, nos fins de semana, quando há maior concentração de pessoas. "Descobrimos que, apesar da importância dos estudos clínicos na luta contra o HIV, o número de pessoas envolvidas nesse trabalho é pequeno, e a desinformação, muito grande. Vimos nas visitas uma oportunidade não apenas de convidar as pessoas para participar da iniciativa [...], mas também informar sobre sua existência e o que estamos realizando”, explica Medeiros.

Fases

Com previsão para ser concluído em dezembro de 2011, o iPrEx chegou ao Brasil em 2007, sendo que o primeiro voluntário brasileiro começou no final de 2008, no Rio de Janeiro. Em São Paulo, o início se deu em março de 2009.

A pesquisa está agora em sua terceira etapa. “Essa fase do estudo pode fundamentar a aprovação para uso do medicamento nessa nova indicação – prevenção da infecção por HIV –, embora estudos adicionais possam ser necessários”, diz Medeiros.

Para testar o medicamento, a iniciativa conta com a participação de dezenas voluntários, mas, até o fechamento desta reportagem, ainda havia muito caminho pela frente: são necessários 200 na capital paulista, de um total de 3 mil no mundo inteiro. “Uma participação maior no Brasil permitirá verificar se variações pela genética da população e dos vírus circulantes podem comprometer a eficácia do medicamento”, explica Medeiros.

Voluntários

Há pouco mais de um ano no projeto, Beto Sato, jornalista e militante da comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (LGBT), é um dos voluntários brasileiros: “Decidi participar porque a iniciativa não é tão invasiva como outras, além de ser uma ótima oportunidade para participar da luta contra a aids”.

Sato relata que, ao contar sobre sua participação, seus amigos tiveram um receio. “É um pouco do preconceito, mas isso acabou. Mesmo porque o iPrEx só aceita pessoas que não contraíram o vírus e, além disso, há um sigilo muito grande”.

Vale ressaltar que sua entrevista, para esta reportagem, só foi feita porque ele se dispôs a falar com a revista. “Ninguém do programa passou meus dados. Eu, como sou jornalista, fiquei sabendo da elaboração da reportagem e quis contar sobre minha experiência”, conta Sato, que não sofreu efeitos colaterais com os medicamentos.

Barreiras

Vencer o preconceito e a desinformação são os principais desafios do programa.

“Poucos sabem o que é e como funcionam ensaios clínicos e desconhecem a seriedade e ética desses estudos [...]. Além disso, o HIV e a aids ainda estão ligados a fortes estigmas e preconceitos”, diz Ricardo Gambôa.

Para Edmilson Medeiros, “realizar um estudo direcionado exclusivamente à prevenção de uma doença sexualmente transmissível em homens que fazem sexo com homens, travestis e mulheres transexuais precisa vencer resistências de alguns setores conservadores em nível internacional e acadêmico”.


Obs: o iPrEx promoverá uma jornada de filmes e debates no mês de maio/2010, para discutir sobre o estudo e seus objetivos e sobre a ética das pesquisas com seres humanos, além de informar sobre HIV/Aids. Fique ligado que, em breve, daremos mais informações!

 

Qual medicamento?
O medicamento em teste no iPrEx é o Truvada, um composto de dois elementos (200 mg de emtricitabina e 300 mg de tenofovir). O Truvada é seguro, já aprovado para o tratamento do HIV nos EUA e na Europa. Testes realizados com macacos comprovam que uma dose diária de Truvada tomada previamente oferece resistência à infecção de um vírus semelhante ao HIV em 100% dos casos. Um outro estudo, feito na África, mostra que o tenofovir não prejudica a saúde de quem o toma.