ARTIGO

Gays pela esquerda

Existem três representações da cultura gay em Cuba: a das artes, a da política e a das ruas. Ao caminhar pela capital, Havana, é fácil identificar os “maricones”. Eles exibem o bronzeado em regatas justas e calças apertadas. Tudo colorido e combinado de um jeito diferente do típico machão caribenho.

por José Gabriel Navarro

Os cabelos são bem penteados; as unhas, impecáveis; as sobrancelhas, delineadas com precisão – e eles são muitos. Estão pela cidade toda, principalmente no Centro velho.

Nas ruas
O que surpreende são as grifes internacionais que compõem a moda dos gays cubanos. Afinal, desde 1959, o país vive em um regime socialista. Comida, moradia, educação e roupas são fornecidas de graça pelo governo.

Em compensação, o acesso a bens importados, como CDs, perfumes e novidades eletrônicas, é restrito. Para comprar um desses artigos, são necessários, em média, salários de três meses inteiros de trabalho. Por isso, os gays descolados da ilha arranjam peças e adereços de marca no mercado paralelo.

Praticar o comércio de qualquer produto, vindo do exterior ou não, é ilegal, mas a pena para esse delito é leve – geralmente, apenas alguns dias de prisão. Todos compram e vendem escondidos, ou, como eles dizem, conseguem coisas “pela esquerda”. Óculos de sol desenhados em Milão, camisetas assinadas por Calvin Klein e celulares modernos já fazem parte do dia a dia de muitos havaneses.

A maioria convive pacificamente com a homossexualidade – mas não existem locais como o Posto 9, no Rio de Janeiro, ou o Largo do Arouche, em São Paulo, por exemplo, onde homens se sentem mais à vontade para namorar em público. Carícias e beijos, só entre as quatro paredes de um quarto ou boate.

Evolução política
O que tem mudado de verdade é o tratamento político dado à população LGBT. Logo após a Revolução, os anos 60 e 70 foram marcados pela perseguição da polícia estatal a qualquer adepto de práticas não-heterossexuais. Existiam até relatos de “centros de tratamento” para “curar” quem era do babado. As relações entre pessoas do mesmo sexo maiores de 16 anos deixaram de ser crime apenas em 1979!

No entanto, hoje, a maior porta-voz dos direitos gays é justamente uma sobrinha do polêmico Fidel Castro. Mariela Castro Espín, filha do atual presidente, Raúl Castro, é sexóloga e feminista. Não perde oportunidade de aparecer na tevê para falar sobre a urgência de reconhecer a união civil entre homossexuais e estabelecer proteções legais a travestis.

Graças a ela, desde 2008, qualquer cubano pode trocar de sexo gratuitamente e alterar o gênero registrado em cartório. No entanto, como sair do país e conhecer o “mundo capitalista” ainda é um direito negado a muitos, vários homossexuais dão em cima de estrangeiras, casam-se e fogem da ditadura.

Arte e poesia
É nas artes, no entanto, que a homossexualidade em Cuba ganha a poesia ainda ausente nas ruas e na política. Morango e Chocolate, de 1994, foi a primeira – e, até agora, única – obra cubana indicada ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. A história de um universitário comunista e sua amizade com um professor gay que critica o governo fez sucesso até dentro da ilha.

No aclamado livro Trilogia Suja de Havana, de Pedro Juan Gutiérrez, as transas entre homens acontecem à noite, sob a árvore de um parque ou atrás de um muro, e envolvem afeminados e brutamontes apaixonados.

A irresistível mistura de erotismo com repressão que o Caribe inspira é um pouco idealizada pelos artistas. Ainda assim, é parte fundamental da vida dos gays cubanos. Na rua, na luta e no gozo.