ARTIGO
por João Marinho
Quem me conhece sabe que não dou apoio à "tese" de que homofobia é coisa de gay enrustido. Embora haja duas pesquisas que apontam isso, elas apontam hipóteses – e autolimitadas ao público e cultura estudados (faixa etária, localidade, etc.), segundo os próprios pesquisadores, e aos algoritmos que selecionaram alguns dos vários tipos de homofobia.
Politicamente e realisticamente, o discurso é também perigoso. Joga nas costas dos gays a culpa pelo próprio preconceito que sofrem e pelas agressões de que são vítimas, não explica a homofobia que parte das mulheres, despreza os inúmeros fatores culturais e religiosos que dão suporte à ideologia homofóbica e isenta, por tabela, os heterossexuais de toda e qualquer responsabilidade, como se fossem todos anjos de candura e inofensivos.
Isso simplesmente não procede.
No entanto, existe uma verdade inconveniente que, por sinal, ajuda também a mostrar o quanto essa "tese" é falha: existem gays homofóbicos, alguns dos quais abraçaram, ainda que de forma enviesada, a sua sexualidade. Em suma, "enrustimento" e homofobia não andam lado a lado.
Deixemos, porém, essa questão para outro momento, pois quero me centrar nessas "estranhas figuras". Os gays homofóbicos. Você sabe qual é o discurso que eles têm?
Iguais e diferentes
Basicamente, é o mesmo dos não gays homofóbicos. Como em outras realidades de homofobia, há níveis e, no máximo, "atenua-se" alguma coisa. No entanto, o substrato é igual.
Entre os gays homofóbicos que são mais radicais, e geralmente e inicialmente direcionam a homofobia para si próprios, os argumentos vão de que a homossexualidade é antinatural e até os religiosos, como o de "não ser de Deus", à "teoria" de que é fruto da influência de algum demônio.
Esses vão acabar buscando "se curar" ou "se livrar" da homossexualidade – e aí vão lotar os consultórios de Marisa Lobo & Cia. ou programas da Exodus e entidades semelhantes de "ex-gays".
Esses gays mais radicais e homofóbicos vão também a cultos de libertação, a "aconselhamentos", a sessões de exorcismo e vão até se casar e ter filhos, tudo na busca para "sair" daquilo, ou "controlar" – e nem é raro que vejam o casamento como uma "tábua de salvação".
Muitas mulheres, especialmente as religiosas, apoiam essas ideias – e não ficam sabendo que, como o desejo é difícil de ser reprimido, fatalmente, mais tarde, buscarão homens, vivendo uma realidade dupla e infeliz.
Num segundo momento, eles se voltam contra os gays assumidos e felizes. Para eles, soa absurda essa opção: todos os gays deveriam, como eles, "buscar o bom caminho" e procurar se "converter" à heterossexualidade e à norma hétero de vivência afetivo-sexual, qualquer que seja ela.
Nessa fase, também não é incomum começarem a adotar outros discursos do opressor, como criticar a vida gay por ser "promíscua", "não gerar filhos", "ser cheia de álcool e drogas", culpar os gays por terem pegado HIV e disseminado a aids, etc. – tudo para justificar por que a homossexualidade é uma "vida desgraçada" a não ser seguida.
Moralismo
Existe também outro tipo de gay homofóbico bastante comum. Esse é o que até adota a sua sexualidade. Na minha experiência, acaba sendo um dos desdobramentos dos mais radicais, mas com outra solução. Se mantivermos essa tese, são aqueles que, depois de um tempo, não buscam mais o processo de cura, reversão – e admitem se relacionar com homens, mesmo que na vida dupla que mencionei mais atrás.
No entanto, não demora a vir a homofobia, de forma mais velada, num discurso conservador.
Terminantemente no armário, esses gays criticam os que dali saem e "expõem sua sexualidade". Dizem que "não é necessário se assumir" (porque, afinal, "héteros não se assumem"), que "contar pra família só trará desgosto", que beijar em público é "desrespeitar idosos", que fazer carinho na frente de crianças "pode influenciá-las e não deve ser feito", que exibir casais gays na tevê é "desrespeitar a família" e daí por diante.
Inclusive, apoiam os não gays homofóbicos e os gays do primeiro tipo com esse mesmo discurso. Chegam até mesmo a achar que "movimento gay é besteira" e que "casamento deve ser mesmo só entre homem e mulher".
Fatalmente, desse discurso deriva uma veia moralista. Aí, passam a criticar a parada gay porque é "orgia a céu aberto", gays mais femininos "porque não é porque é gay que é para ser mulher".
Detestam as drags, "que só trazem vergonha", e também as travestis "porque elas não se aceitam e querem ser o que não nasceram para ser". Também detestam "o meio gay" (seja lá que sentido deem à expressão), que, para eles, "só tem p*taria". Se topam um relacionamento, tem de ser um namoro tipicamente moralista, porque se consideram "diferentes" dos "outros gays, que só pensam em sexo".
Culpa da vítima
A rigor, o que há de comum, na verdade, é associar a homossexualidade a algo necessariamente negativo ou indesejável. Pode ser desde uma doença até um problema espiritual, de algo antinatural até motivo de vergonha (e "com razão") para os pais.
Para além disso, há uma crítica a qualquer comportamento gay que soe como uma liberação e exposição do que deve ser, irremediavelmente, vivido por baixo dos panos para não "desrespeitar" ninguém (leiam-se: héteros homofóbicos).
A coisa é tão séria que há até os que põem nas vítimas de agressão homofóbica a culpa por serem agredidas... Porque, "se fossem discretas" ou se "não transassem com qualquer um", "nada disso aconteceria".
Você já conheceu algum gay desses dois tipos? Se sim, acenda seu alerta. Ele é um gay que não conseguiu deixar a homofobia cultural e social de lado.
Publicado em 17/08/2012.