ARTIGO

Ranhuras de amor

Às vezes, o sexo gay pode ser bem dolorido - principalmente se a empolgação levar ao surgimento de uma fissura anal.

por Deco Ribeiro

Era enorme – e lindo. Enquanto eu babava ali ajoelhado, [...] reparei que ele tinha um escorpião tatuado na virilha, bem ao lado daquele espetáculo que pulsava a poucos centímetros da minha boca. Não havia dúvidas: eu ia dar muito naquela noite” – e Gustavo* deu.

Eles estavam na praia, à noite, em um morro atrás de um dos quiosques. O rapaz que ele havia paquerado minutos antes era alto, loiro, olhos azuis, marquinha de sunga. Gustavo já estava adorando Florianópolis no Carnaval – e, naquele momento, mais ainda.

Quando, depois de alguns beijos, ele se ajoelhou e baixou a sunga do rapaz, sentiu que teria problemas: o pênis era muito maior e mais grosso do que estava acostumado, ainda mais a seco. “Gel? Foi um milagre eu ter uma camisinha na sunga!”, diz ele.

Mesmo assim, não pensou duas vezes: deitou-se na areia e deu gostoso pro loirão bronzeado, ouvindo o mar batendo nas pedras lá embaixo. Na hora, foi tudo ótimo – e, no calor do sexo, nem percebeu que se feria.

Tamanho, entretanto, não é documento. É o que revela o estudante Adriano*, de Campinas-SP: “Não era grande e nem grosso, aproximadamente uns 15 cm, mas foi o suficiente para me arrancar lágrimas dos olhos. Eu tinha acabado de colocar a camisinha quando ele tentou me penetrar rapidamente, sem gel [...]. Na hora, senti uma dor enorme, [...] que fez meu corpo inteiro se retorcer [...]. Fiquei uns cinco minutos parado, sem reação, só esperando a dor diminuir. A vontade de evacuar era muito grande, mas, quando fui tentar, a dor foi bem mais intensa, e só consegui terminar com muita dificuldade. Quando fui me limpar, doeu muito. Só o fato de jogar água ali já doía”.

Foi também ao tentar evacuar, no dia seguinte, que Gustavo percebeu algo errado. “Parecia lava fervente”, lembra.

A dor que ambos sentiram era causada pelas fezes em contato com uma fissura que se abriu em seus ânus.

É um problema que pode parecer assustador, mas é normal e, na maior parte das vezes, mais incômodo que grave.

O que é?

A fissura anal é uma pequena lesão na pele do ânus. Ela pode surgir como resultado do impacto e atrito de fezes muito sólidas contra o canal anal durante a evacuação – quando se sofre de prisão de ventre, por exemplo.

Em homens que fazem sexo com outros homens, entretanto, a principal causa é o sexo anal, principalmente com o ânus ressecado ou sem lubrificação. O resultado são dores intensas, especialmente durante a evacuação, e algum sangramento.

Segundo o Dr. Ivan Jorge Ribeiro, diretor clínico do Centro Médico Hiperbárico de São Paulo, o sangramento ocorre principalmente se a ferida foi causada por outros traumas na região anal, como pela introdução de objetos muito volumosos, perfurantes ou cortantes, mas acontece em todos os casos, geralmente em pequena quantidade: algumas gotas que saem logo após a evacuação ou a limpeza. Sangue no papel higiênico é um sinal bem claro – e se a pessoa utilizar um espelho, pode verificar a existência de um pequeno corte na beira do ânus.

O que fazer?

A lesão pode cicatrizar espontaneamente, mas o processo é demorado. Como a região afetada recobre um músculo que se contrai muito na evacuação, a pele, fina e sensível, não consegue ficar em repouso para cicatrizar bem. A cada ida ao banheiro, a ferida se abre novamente. Daí, a dor.

Tanto para Gustavo quanto para Adriano, ir ao banheiro era a pior parte do dia. Gustavo esperou uma semana até ir a uma farmácia e comprar uma pomada anestésica para hemorróidas. “Não queria saber o que era. Só queria algo que fizesse a dor parar”.

Já Adriano preferiu procurar um médico. “Ele fez o exame de toque [NR: introdução do dedo do médico no ânus do paciente] pra verificar se realmente era uma fissura ou outra doença, e doeu muito – mas era apenas uma fissura mesmo, e ele me receitou uma pomada que usei por dois meses”. A pomada, no caso, ajuda a relaxar o músculo e mantê-lo em repouso.

Com a dor persistindo por semanas ou meses, toda atividade que cause contração do ânus será dolorosa, como andar, rir ou até espirrar. Nesses casos, o acompanhamento de um médico proctologista é essencial, para um possível encaminhamento cirúrgico. Mesmo assim, a intervenção é simples e a laser, realizada sem necessidade de internação hospitalar e geralmente com anestesia local.

Durante seis meses, Adriano nem conseguia se imaginar fazendo sexo. Gustavo ainda tentou algumas vezes, mas não conseguia: doía e sangrava. “Fiquei sendo só ativo por uns quatro meses”.

“Realmente, todo tratamento [...] depende de um relaxamento da pele interna do ânus, ou seja, nada de sexo anal até o desaparecimento da dor e a cicatrização da fissura”, diz o Dr. Ribeiro. Veja em “Recomendações”.

*nomes alterados a pedido dos entrevistados

Recomendações

• Procure manter uma dieta saudável. Coma alimentos com muita fibra e dê preferência a frutas frescas e a vegetais. Ingira bastante líquido, especialmente água. Repouse e exercite-se de maneira adequada;

• Não faça esforço exagerado para evacuar e não permaneça sentado no vaso sanitário por muito tempo. Se não conseguiu, levante-se e tente outra hora. Procure o médico se, além do sangramento, surgirem sintomas como dores abdominais ou cãibras;

• Muitas vezes, é necessário fazer banhos de assento, de acordo com a orientação do proctologista. É importante seguir o tratamento, que costuma incluir a aplicação de pomadas.

• Na ocorrência de sangramento vivo nas fezes em pessoas acima de 50 anos e com histórico familiar de câncer, um médico deve ser procurado imediatamente. Outras doenças mais graves podem ser responsáveis por esses sintomas e devem ser descartadas antes. Entre elas, o câncer do cólon e do reto.

Serviço

Dr. Ivan Jorge Ribeiro

Centro Médico Hiperbárico
de São Paulo
Praça Senador Lineu Prestes, 326
Pinheiros – São Paulo, SP
tel. (11) 3815-6067.

Artigo inicialmente publicado no site www.armariox.com.br. Para esta versão, algumas alterações foram incluídas.


Publicado em 06/10/2011.