REPORTAGEM
por Graziele Marronato
O assunto é pouco comentado, mas, sim, há mulheres que se sentem atraídas por cenas instigantes de beijo e sexo entre homens. O porquê é algo ainda inexplorado.
Pornô gay para elas
O filme The Kids Are Alright (Minhas Mães e Meu Pai), no entanto, traz uma cena que pode dar uma pista: Julianne Moore e Annette Bening interpretam um casal lésbico que adora assistir a pornôs gays porque as cenas seriam mais reais que nos héteros - em que mulheres fazem caras e bocas. “Acredito mais na autenticidade dos atores”, concorda Lúcia Ribeiro*, que também é lésbica.
Nem tudo, porém, se resume à “verossimilhança” da coisa. Para a hétero Clara Passos*, o que mais atrai são “os corpos másculos, bonitões e a pegada forte”. Patrícia Borges* assina embaixo: “A pegada é mais forte e [...] mais agressiva!”. Clara tem até uma produtora preferida: “Os caras da TitanMen.com. Ai, aquelas barbas!”. Ela diz gostar de sexo gay com homens bem másculos!
Ao redor do mundo
A masculinidade pura e selvagem, entretanto, nem sempre é a única coisa por trás do interesse feminino pelo sexo gay.
Nascido no Japão e produzido inicialmente por fãs, o yaoi é um gênero consagrado por lá e que só tem crescido no Ocidente. Você já ouviu falar dele, aqui mesmo neste site.
Na origem, o yaoi – no Japão, usa-se hoje mais a expressão “Boy’s Love”, ou “BL”, sobretudo no mercado editorial - era feito no estilo mangá e emprestava personagens masculinos de outros trabalhos, colocando-os para namorar. Hoje, há material inédito em revistas, novelas, animes e até games!
O interessante é que, se, no Ocidente, ele faz sucesso entre mulheres e gays, lá ele é efetivamente “coisa de menina” e considerado até um gênero feminino. Nas histórias, além das cenas excitantes, o que pesa são os ideais de amor, romantismo e nobreza, inspirados nas relações homossexuais entre antigos militares e samurais.
Outro foco de tendência são os Estados Unidos, onde faz sucesso a categoria “gay male romance for women”. Embora muitas autoras assinem como homens, são elas que dominam o nicho. Um exemplo é James Buchanan, pseudônimo da autora de Personal Demons - casada e mãe de dois filhos!
A slash fiction é outro exemplo. Derivada da nomenclatura fan fiction, a slash também faz referência a histórias populares e originais, como Star Trek ou Harry Potter, mas adaptadas para que os personagens masculinos vivam romances e sexo entre si. Acertou quem apostou que as meninas são, de novo, as principais responsáveis - e o interesse delas não para por aí.
Queer as Folk (Os Assumidos), seriado que, apesar de trazer um casal lésbico, contava com um inegável apelo erótico gay, chegou a atrair o incrível percentual de 60% de expectadoras no Reino Unido, segundo artigo de Liz Hoggard para o jornal The Guardian.
A inglesa Mary Hefner*, que, além de ser do mesmo país, é jornalista, confirma que o programa foi um estouro - e despertou algo escondido nas mulheres: “As mulheres assistiam e se perguntavam: ‘Ei, você viu a série ontem? Não foi muito sexy?’”.
Mary também é fã de uma pegação masculina, mas em contextos específicos: “Gosto de ir a clubes gays - mas, quando vejo homens se beijando lá, isso não me excita. Gosto de ver em filmes e na tevê, quando existe uma caracterização”. Ela acrescenta que um “plus” é ver o homem em uma posição mais vulnerável...
Já no Brasil, não há dados. No que dá para levantar, o que se nota é que não parece ter ocorrido ainda esse boom do interesse feminino por relações gays, pelo menos quando levamos em conta os locais tradicionais onde encontrá-las.
Paco Llistó, chefe de redação do site A Capa, diz que a editora detecta 5% de assinantes do sexo feminino. Já André Fischer, editor-executivo do Mix Brasil, afirma que o site tem um número pequeno de assinantes mulheres - inferior a 5%. Não muitas, mas que existem, existem...
Isso, claro, não significa que o interesse não possa crescer no futuro. Clara Passos, por exemplo, conta que já teve a oportunidade de ficar com dois amigos héteros ao mesmo tempo: “Os caras acabaram gostando da oportunidade e tiraram umas casquinhas um do outro. Foi mágico!”.
Sandra Lopes*, por sua vez, nunca pensou em ir para a cama com dois caras só para vê-los juntos, “mas não parece má ideia”. Pelo menos, admite ela, já se masturbou vendo filmes pornôs gays...
Teorias
No entanto, verdade seja dita, o assunto é tão pouco falado por aqui que há quem nem acredite que exista. Mesmo em serviços de psicologia, a referência é incomum.
A psicóloga, sexóloga e coordenadora do Ambsex - Ambulatório de Sexualidade, Carla Cecarello, diz nunca ter atendido alguma mulher que comentasse a atração por uma relação gay: “O que já vi é o desejo de ir para cama com dois ou mais homens, mas denotando um desejo reprimido de estupro”.
Mesmo assim, Cecarello arrisca uma explicação para a mulher que fica excitada em ver o namorado possuído por outro: “Pode indicar um comportamento dominador da mulher, e aquele homem pode significar uma extensão dela própria”.
Já o psicólogo analista do comportamento e terapeuta sexual João Pedrosa acredita que, embora não seja comum, mulheres sentem esse desejo por emparelhamento do estímulo sexual, uma associação entre excitação sexual e ver dois homens se beijando. Aí, é preciso conhecer o histórico da mulher em questão. Já no caso do homem que curte ver duas mulheres juntas, “pode ser resquício de um comportamento herdado da época em que não existia a monogamia”. Em outras palavras, se, para o tesão masculino, existem hipóteses até calcadas na evolução, o oposto ainda é, em larga medida, um mistério.
Não é à toa que tantos homens têm dificuldade de entendê-las. “Meus amigos héteros me perguntam: ‘como você pode sentir atração por isso?!’, diz Patrícia Borges. Para ela, é simples: “Da mesma maneira que eles gostam de ver duas mulheres”.
“A maioria dos caras héteros com quem posso conversar abertamente não são brasileiros”, conta Clara Passos. “A cultura machista latina é um problema” - mas se é possível indicar uma ou várias tendências pelo que se vê no exterior, esperamos que, em breve, mais mulheres fiquem à vontade para falar e curtir a temática. Em termos de público e lucros, as produções gays agradecem...
* Nomes trocados para preservar identidades.
Publicado em 08/09/2011.