ARTIGO
por João Marinho
Finalizado o pleito de 31 de outubro de 2010, Dilma Rousseff, do PT, tornou-se a 40a presidente do Brasil – e devo dizer que, como muitos eleitores, respirei aliviado com o término daquele segundo turno.
Sim, porque, verdade seja dita, as eleições 2010 “demoraram” a terminar, marcadas que foram por retrocessos em relação aos direitos humanos e aos direitos de minorias. Para mim, é algo que não vai deixar saudade – mas é algo de que precisamos nos lembrar: 2011 está aí, e é chegada a hora de pressionar ainda mais o poder público a fim de garantir nossos direitos constitucionais.
Aborto e saúde pública
Ainda no fim do primeiro turno, Dilma Rousseff começou a ser alvejada por suas posições em relação ao aborto. O mote da campanha de desmoralização foram suas declarações à revista Marie Claire, quando, entre outros pontos, mostrou-se favorável a tratar o tema como problema de saúde pública. E-mails panfletários circularam, dizendo ser a então candidata favorável a “matar criancinhas” e daí para baixo.
Ora, as posições de cada pessoa sobre o aborto são, antes de tudo, de foro íntimo – e há diferença entre uma posição pessoal, uma política pública e o respeito ao direito alheio.
A título de exemplo, cito uma amiga minha que é politicamente a favor da legalização, mas pessoalmente contra o aborto. O paradoxo é apenas aparente. Telma (nome fictício), católica, acredita que a vida começa na concepção e jamais se veria fazendo um aborto – mas sabe que outras mulheres pensam diferente e entende que elas deveriam poder agir de acordo com sua consciência.
Telma também sabe que são inúmeras as que morrem em clínicas clandestinas e que a legalização poderia ajudar a conter essa carnificina. Até porque, se sobreviver a ela, a mulher pode ir presa, sem ganho social algum, para ela ou para sua comunidade – e é um engodo acreditar que alguém decide abortar como se fosse a uma loja comprar roupas novas.
Quem é contra o aborto, portanto, não pode fechar os olhos para a realidade. Não pode negar que o aborto é, ao menos também, uma questão de saúde pública – mas, de uma hora para outra, dizer isso virou pecado.
Pecado é uma palavra que cai bem, pois, a partir daí, houve uma escalada da temática religiosa, e assistimos a ambas as campanhas fazerem concessões preocupantes a setores reacionários dentro das igrejas.
Gays e partidarismos
Como resultado, por pouco, não vimos naufragar integralmente a agenda de direitos gays. O PLC 122/2006, que criminaliza a homofobia, foi objeto de críticas e de promessas de veto. Afinal, ele supostamente “amordaçaria” os religiosos. Os candidatos se declararam a favor da união civil gay, mas – derrapada! – disseram que casamento era coisa de igreja, como, se no Brasil, não existisse casamento civil.
Nesse sentido, faltou, no meu entender, assessoria da ala gay de ambos os partidos, o Setorial LGBT do PT e o Diversidade Tucana. Faltou puxar a orelha dos candidatos sobre a questão do casamento e atualizá-los sobre o atual substitutivo do PLC, que nem mesmo fala de religião.
Se há o que aprender com essas eleições, agora finalizadas, é que é chegada a hora de gays, lésbicas e afins se envolverem mais com política, se comprometerem a eleger candidatos que verdadeiramente nos apoiem, saber pressioná-los e até mesmo retirar o apoio quando não atendidos – como os religiosos, aliás, fizeram.
Àqueles que militam em partidos, isso é ainda mais necessário, bem como a coragem para enfrentar a homofobia dentro de suas próprias agremiações. Enquanto cidadãos gays, nossos interesses imediatos não podem ser engolidos por estratégias partidárias – e nossas demandas não podem esperar por “outras coisas mais importantes”.