ARTIGO

Quem tem medo dos bissexuais?

Eles e elas estão entre nós, mas são muitas vezes incompreendidos. Como resultado, são rejeitados como parceiros por gays e por héteros. Por que isso acontece?

por João Marinho

Alguns pensam que eles são “sem-vergonha”. Para outros, são pessoas indecisas. Para um terceiro grupo, gays enrustidos. Para muitos, simplesmente não existem - mas a verdade é que os bis estão aí, e, dentro daquela sopa de letras que caracteriza o movimento das minorias sexuais (LGBTs - lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), têm se destacado paulatinamente.

Dificuldades cartesianas
Podemos dizer que a principal dificuldade que cerca os bissexuais é de origem cultural. Nós, ocidentais, somos pessoas cartesianas até os ossos. “Cartesiana” é uma palavra que vem do sobrenome do filósofo francês René Descartes.

Para outro pensador francês famoso, Michel Foucault, Descartes é o fundador do modo moderno de pensar do Ocidente. Talvez você nunca tenha ouvido falar de nenhum deles, mas esse modo de pensar é bem conhecido seu: em primeiro lugar, coloca a razão como a base sobre a qual podemos erguer o conhecimento; por fim, pensa pela diferença, pelo que distingue uma coisa de outra - e, remontando a uma tradição filosófica anterior ao próprio Descartes, pensa por oposição: bem versus mal, verdade versus mentira, homem versus mulher... Gay versus hétero.

Portanto, admitir a existência de algo que está “no meio”, como a bissexualidade, é difícil - mas numerosos estudos comprovam que a orientação sexual, como, aliás, tudo que diz respeito à sexualidade humana, é bem mais fluida do que parece.

Fluidez e compromisso
Dois estudiosos merecem destaque: Alfred Kinsey e Fritz Klein. Ambos criaram escalas para investigar a orientação sexual das pessoas - e atestaram que grande parte delas se sente, sim, atraída por ambos os sexos, em maior ou menor grau.

Assim, segundo a psicóloga Thays Babo no artigo “O armário bissexual”, a bissexualidade pode ser definida como “a atração sexual, emocional e afetiva por pessoas de ambos os gêneros”. O grande problema dos bis é que essa fluidez característica de sua orientação torna-os, muitas vezes, malvistos - a começar pelo fato de que um bi que se sinta igualmente atraído por homens e mulheres não é tão comum: normalmente se manifesta alguma preferência. Consequentemente, eles são tidos como pessoas volúveis e incapazes de um relacionamento estável.

Nada mais falso. Como todos os seres humanos, bissexuais são plenamente capazes de amar e construir relações baseadas em respeito e sentimento. O que caracteriza um bi é, antes, a possibilidade de se envolver com qualquer dos gêneros: não significa que precise “pular de um lado para o outro” o tempo todo.

Ademais, a existência dos bissexuais coloca em xeque exatamente esse modo cartesiano de pensar, ao demonstrar que a fluidez sexual pode incluir até mesmo gays e héteros. Entender esses aspectos é importante para que não façamos com os bissexuais o que nós, gays, já sofremos: submetê-los ao preconceito e à exclusão.


Imagem: Bandeira do orgulho bi: o rosa representa a atração por pessoas de mesmo sexo; o azul, por sexo diferentes; e o roxo, por ambos os sexos.

Publicado em 15/03/2011.