ARTIGO
Sobre o beijo gay na Rede Globo e a enquete do UOL
Não acredito que a emissora exibirá o beijo entre dois homens, mas vale a pena se posicionar a favor.
por João Marinho
Não sou tradicionalmente uma pessoa que confia em enquetes virtuais, nem mesmo nas dos grandes veículos da internet. Por isso, quase nunca faço campanhas por elas, ao contrário de alguns quadros do movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), que sempre nos pedem para votar nessa ou outra “pesquisa” de determinado veículo.
Isso porque, como todos sabemos e os próprios sites informam, mesmo quando se trata de um grande veículo da internet, essas enquetes não têm valor científico, por não seguirem os ditames da Estatística em termos de amostragem e outros elementos, para começar.
Além disso, não raro se limitam aos leitores daquele veículo, que estão sabendo da enquete em curso. Também não raro, permitem votos múltiplos, o que desequilibra qualquer confiabilidade, ainda mais quanto a turma do “contra tudo que signifique progresso” começa a fazer campanha e convence muitos desocupados a passarem o dia votando apenas para mostrarem que “Deus” ou qualquer outro ser ilusório não gosta disso ou daquilo – e se incomoda com a felicidade alheia e com os direitos civis das pessoas.
Até mesmo quando instituições públicas, como o Senado, acionam enquetes, me posiciono contra e, tradicionalmente, nem voto. Não considero nem mesmo que seja seu papel submeter direitos fundamentais a votação popular. Afinal, quando falamos de minoria, soa racional que, talvez, a maioria vote contra a mesma – e isso é uma distorção da democracia, que é o governo de todos e deve garantir isonomia para qualquer cidadão, e não apenas para aqueles que fazem parte “da maioria”. Como diria Alexis de Tocqueville, quando isso acontece, não temos uma democracia, mas uma “ditadura da maioria” – e dos Estados de socialismo real aos excessos dos jacobinos na Revolução Francesa, a humanidade já experimentou o que de sórdido acontece quando isso se instala.
Também não acredito que a Rede Globo levará o beijo gay à novela Amor à Vida, tema deste artigo – e, considerando o trabalho magistral que Walcyr Carrasco tem feito até agora, a ponto de levar a população a torcer por um casal gay, talvez nem precise. Da homofobia aos relacionamentos héteros de fachada, da sexualidade flexível masculina (representada na figura do mecânico) aos gays que buscam constituir família, da bicha má ao carneirinho, muitas das pautas por que tanto lutamos apareceram na telinha. Não importa se você gosta da obra como um todo, isso é um feito inédito e, espero, o primeiro de muitos. Até a quantidade de personagens gays impressiona.
No entanto, sempre existe um argumento estranho para não mostrar um beijo entre dois homens em uma novela: o de que o público “não está preparado”. Como se presenciar um carinho espontâneo oriundo do amor, mesmo que numa obra de ficção, requeresse “preparação”. Além disso, vale dizer, mudanças culturais e conquista de direitos não devem responder a esse tipo de argumento sem fundamento. Afinal, faz parte da ideia de mudança… Mudar – e é mais do que normal que isso aconteça por meio de choques e desconfortos. Já imaginou se a Princesa Isabel não tivesse assinado a Lei Áurea porque a população brasileira “não estava preparada para o fim da escravidão” ou se o Congresso Nacional, nos anos 70, não tivesse aprovado a lei do divórcio porque a “sociedade não estava preparada para ‘demolir a instituição do casamento’”? E você vai se espantar, mas não estava nessas e em outras ocasiões.
Ademais, acho, no mínimo, curioso que o público não esteja “preparado” para assistir a dois homens externando seu sentimento – mas esteja mais do que pronto para ver uma mulher explorar um cego por vingança, um homem levar facadas ou uma criança ser jogada em uma caçamba.
Se não vai mudar a realidade do beijo gay, que, pelo menos, mostremos a verdade por trás do falso argumento: as redes de tevê simplesmente não querem se indispor com a parcela conservadora de seu público e anunciantes – e não é porque a maioria “não está pronta”. Desde ontem, o NÃO ao beijo gay tem ganhado terreno, embora o SIM ainda vença. Que tal dar a sua contribuição e convencer seus amigos?
Imagens: Divulgação/Rede Globo