PERFIL

O gay que decifrou HITLER

A maça envenenada deu cabo à vida. Ao suicidar-se ingerindo a fruta mergulhada em cianureto de potássio, na noite de 7 de junho de 1954, um perturbado Alan Turing dava o desfecho trágico a uma brilhante trajetória

por Washington Calegari

Embora tenha sido fundamental para o desenvolvimento da tecnologia, o trabalho de Turing foi ofuscado pela intolerância para com um certo aspecto de sua vida pessoal: a homossexualidade.

Nascido em 1912, em Londres, Alan Mathison Turing começou a inscrever seu nome na história da ciência em 1937, quando propôs o que seria o primórdio do computador. No artigo Sobre as Máquinas Computáveis, vislumbrava uma máquina capaz de reproduzir habilidades e comportamentos humanos e realizar diversos tipos de cálculo, desde que programada com as instruções matemáticas adequadas. Nascia o conceito de inteligência artificial, que encontrou ferrenhos opositores, mas se fincou nas bases da informática tal qual a conhecemos.

Foi na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), no entanto, que a contribuição do matemático se mostrou primeiramente decisiva para os rumos da humanidade. Turing liderou a equipe inglesa que projetou o computador Colossus, programado para decifrar os códigos secretos elaborados por uma outra máquina, o Enigma, e utilizados nas operações de guerra alemãs.

O Colossus foi bem-sucedido. Quebrou códigos tidos como indecifrá­veis em um momento crucial da guerra, quando a Europa continental estava tomada pelas forças nazistas e, no Atlântico, as embarcações norte-americanas que levavam armamentos para as tropas aliadas eram alvos quase certos de Adolf Hitler.

Com os códigos decifrados, dezenas de submarinos alemães foram localizados e bombardeados. O homofóbico Hitler talvez tenha se revirado no túmulo ao saber que um franzino intelectual homossexual inglês foi peça-chave na desestruturação de suas operações bélicas quando tudo apontava para uma vitória certa da Alemanha, do Japão e da Itália de Benito Mussolini.

A ação de Alan Turing na Segunda Guerra foi por muito tempo mantida em segredo. Pouco tempo depois, sua homossexualidade veio à tona. Foi preso em 1952, impedido de continuar seus estudos sobre computação e obrigado a fazer um tratamento hormonal que debilitou sua saúde.

Nossas vidas certamente não seriam as mesmas sem o brilhantismo teórico e prático de Turing. O primeiro resgate de seu legado se deu em 1983, com a biografia escrita pelo também matemático Andrew Hodges. No Brasil, sua vida foi tema da peça Quebrando Códigos, montada em São Paulo 20 anos depois. Seu fim trágico, decidido em um gesto de fraqueza ou coragem, foi como o de tantos outros expoentes da História condenados apenas por serem diferentes.


Imagens: Reprodução