OPINIÃO

O trágico fim de um bispo homofóbico

O que representa a morte de Robinson Cavalcanti, bispo anglicano que se tornou um dos maiores adversários dos LGBTs.

por Márcio Retamero*

Robinson Cavalcanti/Imagem: Reprodução

No último dia 26 de fevereiro, o bispo anglicano dissidente Dom Edward Robinson de Barros Cavalcanti e sua esposa, dona Miriam Cavalcanti, foram encontrados mortos em sua casa, na cidade de Olinda/PE. O casal foi assassinado a facadas pelo filho adotivo, Eduardo Olímpio Cavalcanti, 29 anos, dependente químico, que morava nos Estados Unidos desde os 16 anos de idade.

O caso e os antecedentes
Depois de matar os pais, Eduardo tentou suicídio ingerindo veneno e dando facadas no próprio peito – mas, no Hospital da Restauração, no Recife, recebeu cuidados médicos e foi, em seguida, levado pela polícia. Ao delegado do DHPP (Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa), confessou que o longo abandono dos seus pais e seu desprezo o levou a premeditar e cometer o crime.

Eduardo tinha sérios problemas nos EUA. Casado e pai de três filhos, envolvera-se com gangues e tráfico de drogas e estava em processo de deportação para o Brasil, quando resolveu voltar e pedir aos pais que se mudasse com sua família para a residência paterna em Olinda. Diante da recusa, cometeu o brutal derramamento de sangue que levou à morte um dos mais proeminentes clérigos do movimento evangélico no Brasil.

Robinson Cavalcanti era, além de teólogo, cientista político e professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Foi coordenador do Departamento de Ciências Sociais da UFPE e professor conferencista-visitante na Universidade do Alabama, em Birmingham. Durante as duas campanhas presidenciais de 1989 e 1994, foi coordenador político no Nordeste a favor do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva.

As informações acima aparentemente mostram um “homem do nosso tempo”, um intelectual comprometido com as causas sociais e a justiça social e – podemos dizer –, durante certo tempo, realmente foi.

Sagrado bispo pela Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB), comandou a Diocese Anglicana do Recife entre 1997 e 2005, quando dela foi desligado por não aceitar as determinações que a IEAB aceitou da Igreja Episcopal Anglicana dos EUA em relação à aceitação e ordenação de homossexuais ao clero da igreja e à aceitação de membros leigos, dentre outras coisas.

A partir deste ponto, D. Robinson, antes um pastor considerado, por muitos, um homem avançado em suas ideias e um homem de esquerda tomou o rumo contrário: criou a dissidente Igreja Anglicana - Diocese do Recife; pleiteou, na Justiça comum, várias causas contra sua ex-igreja; e lutou o quanto pôde contra o que ele chamava de “liberalismo teológico na igreja” – logo ele, que, em anos não muito distantes, chegou a afirmar, em um de seus livros, que a monogamia heterossexual não era “bíblica” – o bispo cometeu adultério e teve um descendente fora do casamento.

Dissidência e homofobia
A brigas judiciais de Cavalcanti com a IEAB e contra um outro bispo que lhe tomou a antiga catedral anglicana do Recife são documentos públicos que todos e todas podem consultar. Amigos que tenho na IEAB falam de um Robinson Cavalcanti extremamente vaidoso, amante do dinheiro e da fama, além de um vilão. “Cabra-macho nordestino arretado”, jamais engolia uma derrota ou uma contrariedade...

Na sua dissidência com a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, uniu-se aos insatisfeitos anglicanos norte-americanos e africanos por conta da aceitação de homossexuais no clero alto e baixo da Comunhão Anglicana. Com sua ajuda, foi formada uma rede que chamo de “ramo dissidente anglicano e fundamentalista”, a GAFCON (Global Anglican Future Conference).

Desde 2005, D. Robinson dizia aos quatro ventos, por onde passava, que o cristianismo deveria voltar aos “fundamentos da fé evangélica cristã”, ou seja, ao fundamentalismo religioso. Usava como desculpa de sua expulsão e desligamento da IEAB a questão homossexual e tornou-se um dos líderes evangélicos mais homofóbicos dos nossos tempos.

Escreveu inúmeros artigos na revista Ultimato, evangélica e tradicional, rechaçando a presença e a ordenação de homossexuais ao clero anglicano ou a qualquer denominação evangélica. Dos púlpitos que ocupava de norte a sul do País, pregava com eloquência a respeito do “homossexualismo” (sic) e do que chamava de “projeto de poder do movimento homossexual organizado”, supostamente orquestrado no Brasil.

A Bíblia contém, no Novo Testamento, para não citar o Antigo Testamento, duas advertências para aqueles cristãos que disseminam no mundo sementes que frutificam em atos concretos de violência: na prisão de Jesus, Pedro toma da espada que consigo trazia e corta a orelha de um dos soldados. Jesus disse a Pedro, na ocasião, conforme o relato do Evangelho: "Pedro, guarda a tua espada, porque aqueles que lutam com a espada pela espada morrerão" – e curou a orelha do soldado. Noutra passagem, o apóstolo Paulo adverte na Carta aos Gálatas: "tudo que o ser humano semear, isso ceifará".

D. Edward Robinson de Barros Cavalcanti disseminou muitas sementes de violência no solo do Brasil com seu discurso homofóbico travestido de "piedade cristã". Aquele tipo de discurso velho, batido, já muito conhecido pelos LGBTs: "temos de amar o pecador, mas abominar o pecado".

Ao pregar e escrever artigos homofóbicos, D. Robinson, que era um intelectual considerado e aplaudido, sabia que estava semeando sementes de ódio e violência, pois o discurso religioso é performativo, ou seja, exige do fiel uma tomada de posição que gere ação.

Quantos pais não expulsaram de casas seus filhos por serem homossexuais após ouvirem ou lerem um artigo do bispo anglicano? Quantas famílias não foram atingidas por conta desse discurso religioso que exige ação concreta? Quantos LGBTs não levaram uma surra de seus pais, convictos de que estavam fazendo o "bem" para seus filhos? Quantos LGBTs não se sentiram ofendidos e até mesmo mortos em sua existência (porque a palavra que faz viver também faz morrer)? Quanto de sangue homossexual não havia nas mãos do bispo Robinson?

Todo homofóbico religioso, fundamentalista cristão, deveria saber – creio que, na verdade, sabem – que seus discursos e textos contra homens e mulheres homossexuais e bissexuais, contra travestis e transexuais, desembocam em ações concretas, violentas, na sociedade. Portanto, ainda que de forma indireta, matam e fazem matar, sujando suas mãos com o sangue homossexual.

E nós com a morte?
Sou um pastor e um teólogo comprometido com a inclusão de LGBTs na comunidade da fé cristã e comprometido na luta por toda e qualquer injustiça social, preconceito e discriminação. Atualmente, pastoreio duas igrejas – a Igreja Presbiteriana da Praia de Botafogo e a Igreja da Comunidade Metropolitana Betel do Rio de Janeiro. Escrevo artigos e ministro palestras de norte a sul deste País, promovendo a inclusão contra a qual D. Robinson tanto lutava.

Estávamos em lados opostos e, nos últimos anos, tive a oportunidade de estar ao lado dele por três vezes e, em nenhuma delas, tivemos a oportunidade de falar sobre homofobia e fundamentalismo religioso, porque não havia clima nem privacidade. Tenho de ser honesto que ele era um homem agradável em público, sorridente, mas sempre me parecendo fazer um esforço tremendo para ser simpático.

Sou contra todo tipo de violência, luto pela dignidade e pelo valor da pessoa humana. Abomino assassinatos, sejam de heterossexuais, sejam de homossexuais. Escrevo e luto defendendo a justiça social e denuncio – do púlpito e nos textos – a homofobia religiosa e social, o machismo, o patriarcalismo, a misoginia, o preconceito de gênero, a fome dos miseráveis e todos os outros que se enquadram na rubrica "marginais/excluídos".

Todavia, sendo bem sincero, não lamento a morte e o desaparecimento de D. Robinson. É mais uma voz homofóbica que se calou e isso, do lado de cá da minha luta, não é algo que eu deva lamentar.

Lamento, sim, a fatalidade, o contexto, a tragédia que se abateu sobre sua casa. Vejo, no triste acontecimento, a realização das advertências evangélicas acima citadas: o que luta pela espada, por esta morrerá; o que semeia, seja lá qual tipo de semente, há de colher o que semeou.

D. Robinson, com sua verborragia e escritos, semeou muita coisa ruim que desembocou em atitudes de violência e terror homofóbico, principalmente em sua área de atuação, o Nordeste do Brasil – e espero e desejo que outros líderes homofóbicos evangélicos de vertentes fundamentalistas vejam nessa tragédia um exemplo pedagógico e aprendam e desistam dessa luta insana contra as pessoas LGBTs. Espero que aprendam e que usem de seu poder para promoverem o Estado laico, a democracia e os direitos iguais para todos os cidadãos brasileiros, sendo esses LGBTs ou não.


* Márcio Retamero, 38 anos, é teólogo, historiador, mestre em História Moderna pela UFF/Niterói. É pastor da Igreja Presbiteriana da Praia de Botafogo e da Comunidade Betel/ICM RJ. É autor dos livos O Banquete dos Excluídos, Pode a Bíblia Incluir? e Crônicas de um Pastor Gay e lançará, na Semana Santa em SP, Você tem fome de quê? –  todos publicados pela Metanoia Editora.

Publicado em 14/03/2012 | Imagens: Reprodução.