ARTIGO

Sobre os preconceitos implícitos

por Kris Barz

"Não quero brincar com ele porque ele é preto. Minha mãe disse que eles fedem" - dizia um amiguinho meu quando eu tinha uns 9 anos.

Foi a primeira vez que presenciei o preconceito, mesmo sem entender ainda o que era aquilo. Não lembro se contei pra minha mãe sobre aquele comentário, mas, se tivesse, certamente ela falaria que aquilo era algo muito errado. Afinal, somos de uma família multirracial. Tive uma educação livre de preconceitos raciais graças a isso.

Um fato relacionado ao tema preconceito que teve certa repercussão na mídia brasileira recentemente foi a carta aberta enviada pelo presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), Toni Reis, ao programa Domingão do Faustão e seu apresentador.

A carta, muito cordial e bem-argumentada (leia aqui), trazia um pedido de mais cuidado na forma como Fausto Silva tratava os gays nos quadros de seu programa, com comentários aparentemente inofensivos que todo mundo já conhece: os famosos "bicha", "boiola", "veado", como se pode ler no link.

Em resposta à carta, Faustão falou ao vivo durante o programa, elogiando a cordialidade de Toni Reis, mas salientando que não vai deixar de fazer comentários desse teor, alegando que "se achar que tudo pode ser politicamente incorreto, vai ficar muito chato". Encerrou com uma ironia apresentando as videocassetadas "só com morenas burras, para não correr o risco de a Associação das Loiras reclamar".

 

Minha pergunta é: por que então Faustão não faz piadas com negros, com outras palavras da mesma acidez?

 

Ora, a resposta é muito simples. Os negros já passaram por muita coisa que os gays passam hoje.

Ainda sofrem preconceito sim, mas já lutaram e conseguiram seus direitos previstos em lei. Hoje, qualquer pessoa que discriminar outra pessoa pela sua raça ou etnia (seja qual for) pode sofrer um processo judicial – e é muito provável que perca, sendo obrigado a pagar indenização ou até a ser preso.

Isso posto, não se vê mais tantos comentários preconceituosos sobre negros como se viam há 10, 15 anos. É por isso que o apresentadores e humoristas não se arriscam a fazê-lo.

No caso dos gays, é bem diferente. Ainda lutam por seus direitos, já que trabalham, pagam impostos e são tão cidadãos quanto qualquer outro indivíduo – mas ainda não há uma lei que criminalize a homofobia no Brasil. Está em andamento uma campanha com abaixo assinado para a aprovação do Projeto de Lei da Câmara 122/06 (assine aqui).

Sou muito utópico em relação ao mundo. Ainda vejo no futuro um mundo onde ninguém seja discriminado por qualquer motivo. Onde as piadas sejam apreciadas somente quando não ferirem os direitos e a situação de ninguém.

Sei que isso vai demorar. Muita gente fala que comentários do tipo "boiola", "veado" são completamente normais e sem mal algum inserido neles, mas são esses preconceitos implícitos que envenenam a sociedade. Chamar um negro de "macaco" também era muito normal décadas atrás. Eles foram até mesmo tratados como escravos, afinal... Ainda bem que mudou.

Tente ver no seu dia a -dia as situações em que pessoas ao seu redor e você mesmo possuam um pensamento preconceituoso, seja qual for o alvo discriminado. Quanto mais tratarmos esse tipo de atitude como "normal" e "inofensivo", mais o mundo irá no caminho contrário da igualdade e dos direitos humanos.


Imagem: divulgação