REPORTAGEM

Banheirão e ato obsceno

Quando lei e prazer se confrontam entre os mictórios, quase todo gay tem uma história pra contar!

por Marcos Piovesan

Fazer necessidades fisiológicas não é o único motivo para que as pessoas frequentem banheiros públicos: muitos homens batem carteirinha no banheirão em busca de prazer.

Assim como parques, praças e ruas escuras, os banheiros são lugares onde rola a “pegação” ou “caçação”. Seus atrativos: sexo rápido e sem compromisso, excitação do perigo, variedade de pessoas, prazer de ver ou ser visto e até o preço (é grátis!) ou a falta de estabelecimentos próprios para o sexo entre iguais. O problema é que nem tudo é um mar de rosas e rolas...

Caça, portas e urina
Em lugares de caçação, a rotatividade costuma ser grande – e é comum que cada um deles tenha seu horário de “pico” (sem trocadilhos). Parques, ciclovias e ruas têm o maior movimento sexual no período da noite. Já banheiros de terminais de ônibus, por exemplo, são deliciosamente lotados entre 18h e 19h, quando trabalhadores dão uma paradinha lá para se “aliviarem”.

Pedro*, 42 anos, cabeleireiro que faz a “linha banheirão” há um bom tempo, diz que hoje os rapazes estão mais ousados: “Antigamente, a pegação era mais discreta. Agora, as pessoas não se intimidam quando outros entram”.

As portas, por sua vez, são usadas para divulgação. As mensagens são as mais diversas, e as propostas, as mais variadas: mulheres, casais, gays, travestis, sites e garotos de programa – todos querem seu lugar ao trono.

Liguei para alguns telefones de porta de banheiro e foram várias tentativas infrutíferas. Numa delas, tento falar com o “Roberto At... P... Grande”. Uma voz grossa atende. “Vi um anúncio seu no terminal. É seu fone mesmo?”, pergunto. “Quem é, amor?”, indaga uma mulher ao fundo. A resposta do rapaz é rápida: “O senhor ligou para o número errado” – e desliga na minha cara.

Dias depois, ao ver o mesmo anúncio em outras portas, ligo de novo. Dessa vez, quem atende concorda que escreveu a mensagem. Marcamos um encontro. Roberto, 35, segurança, me explica que é casado e gosta de dar uma “fugidinha” – mas, às vezes, a “patroa” está do lado. Por isso, disse que era engano na vez anterior. Pergunto a ele se rola algo bom. “Algumas vezes, pintam uns filés que valem a pena...”.

Modus operandi e tio da limpeza
Masturbação mútua, sexo oral e penetração – nessa ordem – são as práticas mais recorrentes. A comunicação costuma ser discreta e não-verbal. Fala-se efetivamente muito pouco.

Para pegar uma presa, as estratégias de caça são também semelhantes: o mictório é uma vitrine, o membro ereto ou balançando no ar funciona como agente hipnótico para olhares sequiosos.

A apoteose costuma acontecer nos “reservados”, as cabines – mas há quem passe direto pros “finalmentes” e aguarde dentro de­las com paciência, a porta a­berta como armadilha.

Engana-se, porém, quem pensa que todo esse burburinho passa despercebido por quem não é do babado. Os banheiros de rodoviárias, por exemplo, hoje são muito mais vigiados. Além disso, muitos terminais contam com câmeras de segurança – sem contar a presença do pessoal da limpeza, que fica de olho em mãos e bocas na hora de passar o desinfetante.

Alguns funcionários, que não quiseram ser identificados, comentaram o que pensam do banheirão: “Tem pais que entram com crianças pequenas, e os caras ficam aí de ‘viadagem’ (sic) na frente dos outros!”. “Se querem foder, vão pro motel!”. Nada agradável, não é?

Nem todos, porém, têm essa postura. Ricardo, 32, me conta que já fez pegação no banheiro de um cais de porto – e justamente com um funcionário da limpeza!

Na forma da lei?
A verdade, porém, é que a “caçação” envolve riscos. Há bandidos que veem o frequentador como uma presa fácil, gangues homofóbicas e usuários ou traficantes de drogas.

Por causa disso e também porque sexo em lugar aberto ao público é condenado pela legislação (veja em “Ato obsceno”), a polícia acaba aparecendo. Além do risco de ir parar na delegacia, existe o de abuso policial, pois muitos soldados não estão preparados para lidar com tais casos ou agem de má-fé.

O funcionário público Carlos, 39, foi flagrado em um banheiro de rodoviária. Ele e o outro rapaz foram levados para uma sala da polícia e constrangidos a subornar os policiais: “Como eu era estudante de direito, e os policiais viram minha carteirinha da faculdade, falaram que um jornal local ia adorar publicar reportagem com fotos nossas. Fiquei com medo e acabei liberando a grana”.

O arquiteto Marcos, 33, levou dois tapas na cara e chutes de um guarda municipal ao responder ao xingamento de “vagabundo”. Além disso, foi obrigado a assinar uma espécie de “auto de infração”. Ele e seu casinho foram avisados de que, se fossem pegos novamente, seriam presos.

“Não vamos generalizar, porque nem toda polícia é igual, mas tem muita gente despreparada, e isso não dá o direito de agredirem um cidadão, fazendo uma interpretação errada do Código Penal”, dispara o professor Francisco, 45.

Ato obsceno
Por falar em Código Penal, o que ele diz? Em caso de flagrante, o mais comum é usarem o artigo 233 - ato obsceno: “prática de ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público”.

A pena é variável. Vai de multa à detenção de 3 meses a 1 ano. Em alguns casos, a polícia dá apenas uma advertência, mas, em outros, leva para a delegacia. Na segunda vez, o indivíduo pode responder a processo.

O ato obsceno se caracteriza por alguém se sentir constrangido com o ato de outra pessoa, pois se exige, em locais públicos, comportamento compatível com a natureza do lugar. Fernando, 35, advogado, contesta: “Se eu estou num reservado com alguém, como pode ser definido como crime de ato obsceno? Se ninguém mais está vendo o que estamos fazendo, não há testemunha [...]. Se você lembrar, houve um caso bem falado no tribunal de Londrina/PR em que um advogado foi pego no reservado do banheiro com outro rapaz. A história acabou não dando em nada”. Para reprimir o sexo, alguns banheiros exibem uma placa de advertência que cita o artigo 233.

A dica, portanto, é conscientizar-se de que transar ou chupar em local público é contra a lei – e, para evitar problemas nesse sentido, o melhor é recorrer aos bons e velhos hotéis, motéis e afins. Vale, porém, o recado: se você for pego, isso não elimina seus direitos. Abusos de poder ou extorsões por parte de policiais, guardas civis, seguranças ou tios da limpeza também são contra a lei – e, por isso, também devem ser denunciados e punidos. Certo?


Publicado em 25/01/2011.

* Todos os nomes são fictícios, para preservar as identidades dos entrevistados.