ARTIGO

Anatomia do ciúme - parte 1

 

Relacionado ao valor que damos a nós mesmos, o ciúme pode ser um sentimento natural, de proteção do indivíduo e da personalidade, mas está longe de ser o tempero do amor

 

por João Marinho

Tudo começou quando ele ligou para o namorado pela manhã. “Bom dia, meu amor, tudo bem?”. A resposta veio cortante, afiada: “quem é aquele Walter que escreveu no seu orkut, hein?!”. “Ei, calma! De que Walter você fala?”. “Aquele lá, do ‘adorei te conhecer’”, disse o bravo namorado. Bastaram alguns minutos para um bom dia apaixonado se converter em discussão.

Embora com outras cores, a maior parte de vocês, leitores, certamente já esteve em situação semelhante. Afinal, é muito raro que o amor venha desacompanhado daquilo que alguns dizem ser seu tempero, mas que, em excesso, também pode estragar um relacionamento: o ciúme.

Pensar sobre o ciúme sempre foi um desafio para mim. Certa vez, um ex-namorado meu desabafou: “acho um absurdo você não ter ciúmes de mim”. Eu mal pude responder, pois, para mim, tudo se resumia na equação: se ele quiser, vai fazer; se não quiser, não vai – e se fizer, também não é isso que vai acabar com nossa relação. Fazer o quê? Transar com outra pessoa, claro, ou “trair”.

Isso nos leva à primeira conclusão que extraio sobre o ciúme, de uma série de conclusões que este artigo, escrito a partir das reflexões pessoais de um jornalista, pretende jogar para a reflexão do leitor: a “traição” é a irmã do ciúme.

Escrevo “traição” assim, entre aspas, porque a definição é aberta. Cada pessoa tem ou pode ter uma noção particular do que é trair. É um assunto a ser conversado outra hora, mas resta um fato: qualquer que seja o conceito, há um medo visceral de enfrentá-la – e esse medo é combustível do ciúme.

O ciúme, portanto, não é o “tempero do amor”. Quando falamos de namoro, ou casamento, o combustível do ciúme não é o medo de “perder a pessoa porque se ama”, mas de ser traído por ela e enfrentar o turbilhão de acontecimentos a partir daí.

Mesmo que eventualmente se perca a pessoa e esse medo apareça, o sentimento que vem em primeiro lugar é o desconforto de poder ser traído em sua confiança, humilhado, de ser ferido em seu orgulho, de ser “feito de idiota” ou “passado para trás”. O ciúme tem mais a ver conosco do que com o outro.

Além disso, existe um tipo particular de ciúme que é o ciúme de quem não se ama. É o que acontece com quem eu e uma amiga minha certa vez definimos como “capacho”.

O “capacho” é aquele rapaz que endeusa outro. Vive cercando o dito-cujo, mendigando migalhas de atenção e, às vezes, sendo vítima de pequenas humilhações. O “deus” não quer nada com o “capacho”. Ele até o incomoda com seu assédio – mas ele o mantém ali, subserviente. Aí, chega o dia em que o “capacho” conhece um outro alguém e deixa seu deus de lado – e, de repente, vemos esse deus... Enciumado!

O ciúme também se manifesta em relação a coisas. Será que você gosta de ver sua camisa preferida enfeitando o irmão mais novo? Quem não fica incomodado quando pegam “emprestado” aquele perfume preferido? Quem nunca viveu uma situação semelhante a essas?

Tudo isso nos leva a um dado sobre o ciúme. Ele não é o tempero do amor e existe em relação a quem não se ama e em relação a objetos – mas ele sempre aparece em relação a algo que se preze.

Mesmo no caso do capacho, o deus não quer saber do capacho, mas existe algo de que ele gosta: toda aquela atenção e dedicação fazem bem. Emprestando uma linguagem da análise do comportamento, o ciúme surge sempre em relação a algo que nos reforça positivamente.

No entanto, aqui é necessário fazer um ajuste. Afinal, não se tem ciúme do “capacho” porque ele vai transar com outra pessoa. Como o ciúme também acontece entre amigos, vale a mesma observação, e também não é possível ser “traído” por objetos, ou bichos de estimação. E agora? Falaremos sobre isso em breve!