ARTIGO

Gays em Hollywood

Como o cinema norte-americano trata os homossexuais de sua indústria

por Marcelo de Oliveira

Ao ouvir seu nome anunciado como vencedora do prêmio de Melhor Compositora com a música-tema do documentário Uma Verdade Inconveniente, Melissa Etheridge virou para o lado e deu um apaixonado beijo na boca de sua acompanhante, a atriz Tammy Lynn Michaels, mãe de dois filhos com Melissa.

Esse beijo, exibido na cerimônia de entrega do Oscar em fevereiro de 2007, foi assistido por cerca de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo. Um marco! Pela primeira vez em sua história, Hollywood mostrou uma manifestação de afeto explícito de um casal de homossexuais – no caso, de lésbicas.

 

Sem fôlego

 

Talvez para a geração mais nova que todo ano exibe com orgulho seu amor gay ou lésbico nas paradas e nas ruas das grandes cidades, o beijo de Melissa e Tammy não tenha o menor significado.

No entanto, para a indústria do cinema norte-americano, o beijo significou a reparação de uma injustiça marcada por anos de silêncio, mentiras, omissões e carreiras arruinadas de centenas de elementos fundamentais na construção de sua história: os homossexuais!

A história dos gays em Hollywood começa a ser contada a partir do exato momento em que a própria indústria do cinema foi criada: início do século 20.

Conta-se que, em 1910, durante a gravação de uma das cenas do filme O Canal Envenenado, o ator J. Warren Kerrigan, que fazia o caubói, foi segurado pelo vilão embaixo d’água mais tempo do que necessário, enquanto a equipe de filmagem se matava de rir e enquanto o diretor, também se divertindo, contava os segundos mentalmente.

Quando finalmente se ouviu o “corta”, Kerrigan recuou, tirou a cabeça de dentro do canal, praguejou, cuspiu e tentou freneticamente recobrar o fôlego. Detalhe: o ator era efeminado, e o diretor revelou que manteve o rosto dele debaixo d’água só para proporcionar um momento de boas gargalhadas à equipe.

Se isso é impensável nos dias de hoje, durante anos, o tratamento dispensado aos gays em Hollywood foi daí para pior – principalmente, para os menos masculinos e para os assumidos.

Armário

Por muito tempo, numa máquina empresarial como a indústria hollywoodiana, “assumir-se” significou enterrar a carreira de vez. Assim, uma teia de silêncio, mentira e dissimulação foi construída, envolvendo as vidas de boa parte dos atores, diretores, roteiristas e outros profissionais. A regra era clara: assuma e esqueça sua carreira.

Os estúdios de cinema, como MGM, Warner e Paramount, entre outros, literalmente construíam as carreiras de seus atores. Mudavam o rosto, o corpo, o nome, a origem e até o estado civil.

Quando o ator estava prestes a virar astro – fosse gay ou não –, era obrigado a casar-se, tanto com estrelas dispostas a aceitar a jogada quanto com figuras como secretárias, recepcionistas ou relações públicas. Hollywood mantinha assim seu status de “fábrica de ilusões”.

Vidas opostas

Entendendo que a realidade era aquela, os atores se submetiam ao jogo, e a solução era manter vidas paralelas fora de casa – mas sempre protegidos pelos donos dos estúdios, que eram tão poderosos quanto os chefões da máfia.

Eles tinham jornalistas, publicitários, relações públicas e outros profissionais de mídia sob controle, pois a relação “monstro-criador” era muito respeitada, ou seja, se Hollywood criava o sonho e a imprensa se alimentava desse sonho para existir, por que mudar essa relação?

Aos atores que resolviam quebrar a regra, o destino era apenas um: ostracismo. Era impensável “assumir-se”, mas, eventualmente, quando algum resolvia se arriscar, a carreira terminava. Assim, todos se submetiam às normas, afinal, ator em Hollywood quer sucesso, sem importar o preço que se paga por ele.

Durante décadas, astros como Rock Hudson, James Stewart, Montgomery Clift e outros esconderam sua orientação sexual – gay ou bi –, prestando-se ao jogo da mentira e da dissimulação, mesmo que, fora das telas, mantivessem relacionamentos estáveis ou não com outros homens, inclusive entre eles próprios.

Ao grupo, juntavam-se nomes como Marlon Brando – depois da morte do ator, surgiram fotos em que o astro praticava felação num suposto amante; além disso, dizem que o nome de seu filho, Christian, foi uma homenagem ao seu namorado, Christian Marquand –, Anthony Perkins, James Dean e Tab Hunter.

Novos tempos?

Esses atores se prestaram a tal papel na época de ouro de Hollywood – finalizada, segundo alguns historiadores, em 1962, com a morte de Marilyn Monroe, a maior estrela de cinema fabricada pela indústria.

Hoje, os tempos são outros, mas as mentiras continuam. Poucos atores se assumem e continuam a fazer sucesso.

A grande exceção é o inglês Ian McKellen, que fez o Magneto da trilogia X-Men e o mago Gandalf de O Senhor dos Anéis, que carrega seus namorados nas entregas do Oscar. Rupert Everett, mais conhecido como o amigo gay de Julia Roberts em O Casamento do Meu Melhor Amigo, é outro assumido que merece ser lembrado.

Entretanto, a grande maioria procura perpetuar a mentira, arrumando namoradas mais jovens – ou alguma atriz de origem espanhola – e ainda acreditando que o trono de maior astro de cinema só pode ser ocupado por “machos” e heterossexuais.

Nesse sentido, o livro Bastidores de Hollywood: a influência exercida por gays e lésbicas no cinema 1910-1969, publicado em 2002, traz um panorama dessa realidade, contando histórias ocultas de astros, diretores, produtores, figurinistas, jornalistas e outros profissionais da indústria de cinema. É uma das únicas obras publicadas no Brasil sobre o assunto – e ainda pode ser encontrado no site da Livraria Cultura.


Imagem: divulgação

Rock Hudson e Marlon Brando: Reprodução (www.doctormacro.com)

Ian McKellen como Gandalf, em O Senhor dos Anéis: Reprodução (www.kinoweb.de)

Demais: Reprodução/Divulgação