ARTIGO

Mundo gay: verdade ou ficção?

Discutir “ficções” que fazem parte dos discursos de muitos gays é um dos motes dos artigos da Sex Boys. São conceitos utilizados por pessoas que tentam “provar” que ser gay é um problema em si mesmo. Sem uma reflexão crítica, os próprios gays acabam por reproduzi-los...

por João Marinho

Atrelado à ideia estereotipada de que “gay só pensa em sexo” – absurda em si mesma –, normalmente vem outro conceito muito famoso: o “mundo gay”, às vezes chamado de “meio gay”. O discurso fica, então, mais ou menos assim: “no mundo gay, ninguém quer nada sério” ou “no meio gay, todo mundo só quer sexo”.

Outro uso bem conhecido ocorre nos anúncios e sites de relacionamento, nos quais gente que procura namorado se declara, orgulhosa, “fora do meio”, como se isso fosse uma espécie de pedigree.

Entretanto, ao que nos referimos quando dizemos “mundo gay”? Será que é a qualquer lugar onde existam gays? A princípio, parece que sim, mas, nesse sentido, até a igreja católica seria mundo gay – e ninguém diz isso, certo?

Ora, grosso modo, “mundo gay” ou “meio gay” são expressões usadas em substituição a uma rede de estabelecimentos que geralmente inclui casas noturnas, saunas, bares, cinemas de pegação, sex clubs, etc.

São locais voltados para ou frequentados por gays, onde o que está em destaque é a diversão, muitas vezes o sexo sem compromisso e uma certa dose de futilidade.

É aí que o bicho pega. Quem é “do meio” reclama que os demais não querem nada sério. Quem é “de fora” usa essa característica como se fosse um diferencial desejável. Por quê? Porque, no “mundo gay”, o que rola é só sexo. É, enfim, uma reedição mais apurada do “gay só pensa em sexo”.

Acontece que a crítica não deve ser feita por aí. Muitos gays, como muitos seres humanos na face da terra, precisam de diversão, inclusive sexual – e de uma certa dose de futilidade no dia a dia.

Esses estabelecimentos cumprem esse papel, como cumprem aqueles similares voltados para os héteros: os bordéis, as casas de swing, as boates, as casas de massagem, etc. A diferença é que os héteros não os consideram como sendo o “mundo hétero”.

Quando você usa a expressão “mundo gay”, assume que (quase) todos os gays assumidos se encontram em um mundo à parte – formado por aquelas casas –, que, por ser assim, “promíscuo”, só pode significar que (quase) todos os gays são necessariamente promíscuos.

Ora, esse “mundo gay” simplesmente não existe, porque gays estão em todos os lugares e integram um Mundo, com “M” maiúsculo, bem maior. O que existe são estabelecimentos que você pode frequentar ou não e que têm um papel específico dentro desse Mundo.

Boate não é agência de casamentos e darkroom não é convenção de príncipes. Se quiser frequentá-los, vá pelos motivos certos, inclusive pela promiscuidade (que pode ser, sim, bem saudável), mas nunca pense que ser gay é ser isso e ter aquele “mundo”. Os héteros se dão o direito de ter o mundo inteiro. Nós também podemos!


Publicado em 27/10/2011.