ARTIGO

Literatura e homoerotismo

Homoerotismo se refere à atração entre pessoas do mesmo sexo quando respresentada nas artes. Seria a correlação homossexualidade e produções atísticas e culturais, como pintura, literatura e afins, como sociologia, história, antropologia, psicologia, entre outras formas de expressão. Termos como "homocultura" e "homoerotismo" foram criados e são usados também nos campos acadêmicos.

por Thaís Carapiá

Segundo o romancista alemão Thomas Mann, em seu ensaio “Do Casamento”, de 1925, o homoerotismo é estético, enquanto a heterossexualidade é prosaica.

Destaques da literatura homoerótica

A maior referência é Oscar Wilde. Em 1895, após três julgamentos, o escritor irlandês foi condenado a dois anos de prisão, com trabalhos forçados, por sodomia, ou seja, "cometer atos imorais com diversos rapazes". Na prisão, entre outros escritos, Wilde produziu De Profundis, em que escreveu uma denúncia contra um jovem chamado Bosie, acusando-o de tê-lo arruinado.

Bosie era o apelido do Lorde Alfred Douglas, um dos supostos homens de que Wilde foi amante. Foi o pai do "rapazinho", o Marquês de Queensberry, que levou Oscar Wilde ao tribunal.

Em outras literaturas, existem sonetos de Willian Shakespeare, Walt Whitman, Christopher Marlowe, VirginiaWoolf, Arthur Rimbaud, Marcel Proust, André Gide, Michel Foucault, Roland Barthes, autores portugueses, como Mário de Sá Carneiro, Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Álvaro de Campos, Antônio Botto e Al Berto, e outros de diversas nacionalidades.

Na literatura brasileira, destacam-se as obras Bom Crioulo (1895), de Adolfo Caminha, considerado por alguns críticos literários o primeiro romance homossexual na história da literatura ocidental, escritos homoeróticos de Raul Pompéia, Álvares de Azevedo, Olavo Bilac, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu, João Silvério Trevisan, Lygia Fagundes Telles, entre outros.

Drummond, em seu poema “Rapto”, denomina a homossexualidade como “outra forma de amar no acerbo do amor”.

"Pílades e Orestes": o conto

Segundo Jessé dos Santos Maciel, mestre em Letras e Estudos Literários pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), José de Alencar, na peça O demônio familiar (1857), Raul Pompéia, em O ateneu (1888), e Adolfo Caminha, em Bom Crioulo (1895), não conseguiram alcançar uma identidade homoerótica em seus personagens, seja pela insinuação preconceituosa do homoerotismo, fosse pela apresentação de atos homoeróticos como resultantes da degradação moral causada pela brutalidade do regime de internato, ou a denúncia rancorosa dos maus tratos sofridos pelos marinheiros da armada.

Coube, segundo as pesquisas de Jessé, a Machado de Assis, no texto “Pílades e Orestes”, inserido no livro de contos Relíquias de Casa Velha (1906), “a dissecação dos interesses, das motivações, e da mecânica que tornou possível a dois membros de estratos sociais mais elevados a manutenção de uma união homoafetiva em pleno século XIX”.

O conto narra a história do relacionamento de dois homens, Quintanilha e Gonçalves, que haviam estudado, morado e se formado juntos. O primeiro trabalhou na política, mas depois herdou a herança de um tio e passou a viver dela, já o segundo advogava no Rio.

Reencontraram-se e passaram a morar juntos novamente depois que Quintanilha recebeu o legado do tio e foi morar no Rio de Janeiro. Sobre a pressão e protestos dos familiares, foi em Gonçalves que Quintanilha encontra apoio e se decide por manter exclusividade na herança.

A proximidade e cumplicidade entre os dois jovens atraem comentários (“casadinhos de fresco”), já que Quintanilha não esconde o carinho, a afeição e a fascinação que nutre pelo amigo, evidente na atenção exagerada que despensa, além de presentes e empréstimos.

Diante dessa forte influência que Gonçalves exerce sobre Quintanilha, o narrador machadiano alimenta a dúvida: será que o primeiro está disposto a se aproveitar, financeiramente, do amigo? Seu afeto será sincero? A verdade é que o personagem Gonçalves, durante todo o conto, é um grande mistério, já que não é possível saber suas verdadeiras intenções em relação a Quintanilha.

Após o falecimento de uma tia, Quintanilha acaba se reconciliando com um parente, João Bastos, e se encantando com a filha deste, uma prima segunda, Camila. Quando Gonçalves recebe a notícia de que Quintanilha estaria “amando” Camila, fica pálido e visivelmente perturbado, ao que o amigo deduz que ele estivesse também interessado em Camila.

Assim, Quintanilha, mantendo seu “amor” servil por Gonçalves, conclui que a tristeza do amigo se deve ao fato de que ele ama Camila, e, como Quintanilha ainda não havia se declarado à prima, desiste dela para a felicidade do outro, sem nem sequer ouvir de Gonçalves esse desejo, apenas por imaginá-lo. Por fim, Camila e Gonçalves se casam, servindo Quintanilha de testemunha ao noivo, sendo também padrinho dos dois primeiros filhos do casal.

No entanto, um dia em que Quintanilha atravessava a Praça Quinze de Novembro, a levar doces para os afilhados, recebeu um tiro“que o matou quase instantaneamente”, restando apenas a dúvida se era aquela uma “bala perdida” ou se Quintanilha fora assassinado por causa da herança, levando-nos a concluir que Gonçalves seria um assassino. Porém, essa é apenas uma hipótese que o narrador machadiano parece insinuar.

O mito de Orestes

No conto, Machado de Assis faz referência ao mito grego de Orestes, que era filho de Agamêmnon e de Clitemnestra.

Com a Guerra de Tróia, o rei de Argos, Agamêmnon ficou por muito tempo afastado do lar. Clitemnestra havia sofrido um trauma intenso com o sacrifício de Ifigênia, sua filha mais velha, quando a esquadra partiu para Tróia. Na ausência de Agamêmnon, Clitemnestra se junta ao amante, Egisto, que juntos assassinam o rei quando este retorna à pátria.

Após o assassinato de Agamêmnon, monarca e comandante da guerra de Tróia, Egisto e a rainha Clitemnestra voltam-se para Orestes, o filho caçula do rei morto, uma vez que eliminado o herdeiro legítimo do trono, ambos estariam seguros e livres da vingança pelo sangue derramado.

Salvando-o da morte, Electra, irmã de Orestes, leva-o para a corte de Estrófio, rei de Crisa, onde cresceu seguro e pôde conquistar a amizade de Pílades, filho do rei. Atingida a maioridade Orestes obedeceu às ordens de Apolo e retornou para Argos com Pílades, amigo inseparável e fiel, para vingar o terrível crime cometido por Egisto e por sua própria mãe, Clitemnestra. Ajudado pela irmã Electra, que o fez entrar no palácio, e pelo inseparável Pílades, que o animou a agir no momento em que hesitava diante da mãe suplicante, Orestes executou a justiça de Apolo.

Assim, Orestes mata a mãe e o amante, e é penalizado pelos deuses do Olimpo às Fúrias. Alucinado e louco, ele pedi um novo julgamento aos deuses para que a sua pena seja aliviada e é purificado do crime pelo deus Apolo.

Relacionando o mito ao conto, o narrador insinua que Gonçalves nutre apenas o interesse, chegando a matar o pai que o “gerou”, Quintanilha, como o Orestes grego que matou a própria mãe.

O conto na íntegra

http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1960

Fontes

http://www.academicoo.com/artigo/literatura-homoerotica-o-homoerotismo-em-seis-narrativas-brasileiras

http://pt.wikipedia.org/wiki/Homoerotismo

http://www.urutagua.uem.br/009/09maciel.pdf

http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa/g_pdf/vol7/7_3.pdf

http://www.entresembater.netvyrtua.com/biblioteca/view.asp?id=85

Imagens

Capa: Francois Bouchot (1800–1842)

Reportagem: Reprodução


Publicado em 18/10/2011.