PERFIL

O homem que enfrentou a aids

Em 1998, Zackie Achmat foi cofundador da TAC – Treatment Action Campaign, uma das organizações mais preeminentes do Sul da África no que diz respeito ao HIV/Aids

por Vladimir Alves

Nascido em 21 de março de 1962 em Joanesburgo, África do Sul, Abdurazzack Achmat cresceu em Cape Town durante o apartheid.

Sua família pertencia à comunidade étnica de Cape Malay – considerada “de cor” pelos racistas brancos –, constituída por pessoas que migraram do Arquipélago Malaio (ou Insulíndia) para a África do Sul e seus descendentes, embora, tecnicamente, seu pai tivesse raízes indianas.

Tomada de consciência
Aos 10 anos de idade, o futuro ativista já tinha consciência de sua homossexualidade e começou a questionar os ensinamentos religiosos – “Zackie”, como já era apelidado, era filho de muçulmanos conservadores.

Quando completou 14 anos, incendiou o colégio onde estudava durante o período dos motins de Soweto, quando a juventude negra entrou em conflito com as autoridades sul-africanas. Chegou a ser preso. Ao longo da década de 70, apesar da pouca idade, já lutava contra o apartheid, demonstrando um espírito de liderança e compaixão pelo próximo.

Zackie também fugiu de casa e, para manter-se, decidiu viver da prostituição. Já ateu assumido, com ideias políticas forjadas à base de uma intensa leitura das obras de Marx, Lênin e Trotski, fundou o primeiro movimento a defender os direitos de gays e lésbicas na África do Sul – e, aos 28 anos, contraiu o HIV.

Viver positivo
O pai de Zackie morreu odiando o filho. Sua mãe nunca lhe manifestou apoio. Apesar disso, Nelson Mandela, anos depois, qualificaria Achmat como herói nacional de um dos países mais afetados pela aids: “Não há nenhuma outra pessoa na África do Sul e seguramente em todo o mundo que tenha dedicado tanto tempo e energia e, ao mesmo tempo, se entregado de forma tão desinteressada à guerra contra a aids”.

De fato, Zackie marcou a luta pelos direitos dos portadores de HIV no país, e, sob sua liderança, toda a política sul-africana quanto ao HIV/Aids foi forçada a se remodelar. Ficou famosa sua atitude de abrir mão dos medicamentos para tratar sua própria infecção, em resposta ao fracasso do governo em prestar o mesmo serviço aos menos favorecidos.

Milhões de vidas
Em 2001, o documentário Minha Vida Positiva, realizado por Brian Tilley, trouxe Achmat como protagonista.

Ao mesmo tempo em que narrava a evolução da enfermidade do ativista, o documentário seguia as atividades diárias de Zackie, que, em junho do mesmo ano, ganhou um importante processo contra indústrias farmacêuticas – além de mostrar sua liderança frente ao movimento reivindicatório dos portadores de HIV, que tenciona não só fazer frente ao mercantilismo que impera(va) no Hemisfério Norte, mas também conscientizar as sociedades e os governos do Sul quanto a combater a maior praga que o continente negro já conheceu.

Nomeado para o Nobel da Paz em 2004, Achmat, que ainda se encontra em atividade e é membro do partido African National Congress, deixou uma questão para todos nós: “se soubesse que milhões de pessoas vão morrer e coletivamente tivesse o poder de prevenir, o que você faria?”.


Imagens: Zackie Achmat sorrindo - Reprodução (www.afrika.no); Zackie Achmat em entrevista – Reprodução (www.sacc.org.za)