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HOMO-HOP


Quando o diretor norte-americano Alex Hinton teve a idéia de fazer um documentário sobre um cantor de Rap Gay, achou que nunca encontraria um. Afinal, o Rap tem sido um gênero famoso por sua homofobia e pelo machismo de suas letras. Que o digam Eminem e 50 Cent. O primeiro ataca homossexuais em suas músicas. O segundo declarou, numa recente entrevista, não gostar de "maricas" e nem de ter gays à sua volta.



por Deco Ribeiro

No entanto, Hinton não só descobriu toda uma efervescente comunidade de rappers gays, lésbicas, bissexuais e transexuais, como se surpreendeu com a falta de cobertura da mídia sobre o assunto - mesmo a mídia GLS. Decidiu, então, documentar a vida de meia dúzia deles. O resultado é o fi lme "Pick Up the Mic: The Revolution of Homohop", lançado em 2005. "Quando as pessoas ouviam falar [...] em hip-hop gay, automaticamente imaginavam um rapper gay estereotipado", conta o diretor. Algo como um go-go boy ou uma drag queen. "Drag queens não chocam mais", diz Deadlee, um dos principais nomes do homo-hop da Califórnia (EUA). "É muito mais chocante ver um homem todo macho [...] fazendo um rap sobre chupar um pau". Deadlee, que foi um dos participantes do documentário e tem o aspecto típico de um rapper - é negro, coberto de tatuagens e usa uma bandana sobre a cabeça raspada -, tem pose agressiva e cara de mau. O estilo típico gangsta (marginal) e a sonoridade de sua música não deixam dúvidas de que se trata de um artista de hip-hop, mas Deadlee tem uma particularidade: descreve-se como "o primeiro gangsta gay". Entretanto, como é que artistas gays se integram no mundo machista e, por vezes, abertamente homofóbico do rap?

Origem e expansão

As raízes do homo-hop se estendem até 1996, quando o primeiro rapper gay criou uma comunidade online em busca de outros como ele. Esse artista era conhecido por Dutchboy. "Quando começamos, encontramos muita resistência, mesmo dentro do meio gay [...]. Muitas pessoas diziam que [...] o rap era ignorante e preconceituoso", explica ele, "mas eu queria contar histórias que nunca seriam contadas". Dutchboy, porém, é branco e não conseguiu atingir toda a comunidade. Na cabeça de muitas pessoas, ser gay era ser branco, e hip-hop era para jovens negros homofóbicos. Foi preciso aparecer o grupo Deep Dickollective para tornar o homo-hop realmente popular. "Nossa vantagem era exatamente sermos negros e não-efeminados", relembra Juba Kalamka, que saiu do Rainbow Flava para formar o novo grupo. "Tínhamos todo o estilo hip-hop, e não havia pretexto para nos desqualificarem". Uma vez que esses grupos começaram a se fazer notar, a Internet se tornou uma grande aliada, não só para a divulgação de festivais dedicados ao homo-hop nos Estados Unidos - os Peace Out Festivals -, como também para a descoberta de que o homo-hop já havia atravessado o oceano.

Bonitinho, mas ordinário

Qboy (abreviação de "queer boy", ou "veadinho") é um dos veteranos ingleses, criador do site www.gayhiphop.com e DJ da boate londrina Pac-Man, especializada em homo-hop. Fazendo o estilo "rapper- branco-bonitinho", foi apelidadado de "Eminem gay", e sua legião de fãs aumenta cada vez que ele surge na mídia como "o mais gostoso homo-rapper" da Inglaterra. Qboy, entretanto, não só não está nem aí, como ainda explora sua imagem em poses sensuais na divulgação de seus trabalhos. "Muitos gays são 'rap-fóbicos'", critica, "criados em uma cultura onde gays devem gostar de Madonna e ir a boates de música eletrônica". "Não é só porque eu gosto de um pau na boca que sou obrigado a gostar desse tipo de música", conclui o moço.





E, afinal, o que é homo-hop?

Como Qboy e Deadlee, a maioria dos artistas do movimento homo-hop se sente à vontade ao falar de sua homossexualidade - mas isso não é unânime.Miss Money, uma rapper lésbica que também aparece em "Pic Up The Mic", afi rma, sem rodeios, que é uma artista de hip-hop que é gay, e não necessariamente uma que só faz hip-hop gay - e a diferença é mais que semântica: "Sou grata pelas pessoas que estiveram em Stonewall [N.R.: a revolta gay que iniciou o movimento pelos direitos dos GLBTs no mundo], mas essa não é a minha missão de vida". Não é o que pensa Deadlee: "Se você ouvir meu primeiro álbum, dou sinais da minha sexualidade, mas de uma maneira que deixava apenas suspeitas. No meu último trabalho, solto tudo. Veja a música 'Suck Muh Gun' ('Chupe Minha Pistola'). Minha pistola é a minha voz, meu pau, ou pode ser literalmente uma arma. Eu estou pegando toda a imagem do marginal e virando do avesso. Sou um gay macho e estou desafiando todos esses filhos da puta a tentar duvidar da minha masculinidade. Eles não podem! Eu uso minha sexualidade como um bônus, tratando esses [...] babacas como eles têm tratado e desrespeitado mulheres e gays por todos esses anos. Sou um veado com o qual não se pode mexer. Eu quebro o estereótipo".

Homo-hop Brasil

Toda essa movimentação não passa despercebida pelos artistas nacionais. Um dos maiores produtores de hip-hop do País e empresário do rapper MV Bill (do documentário "Falcão - Meninos do Tráfico"), Celso Athayde, tem planos de trazer o homo-hop para o Brasil. Foi o que ele contou ao site "Real HipHop": "É um projeto chamado 'Gangsta Gay', um grupo de homossexuais assumidos que cantam rap, no maior estilo cara feia. Será uma boa chance para os machistas se manifestarem, será uma boa chance para o hip-hop - que, por excelência, luta por igualdade e pelo fim dos preconceitos - exercer seu papel". "Medo eu tenho de um dia perder a coragem de ser um realizador e passar para o lado dos críticos depressivos. Isso, sim, seria o meu fim", diz.
De qualquer forma, da Internet e dos festivais locais e projetos isolados até a grande mídia e grandes gravadoras, ainda há um caminho bem longo para os rappers de homo-hop, mas, há alguns anos, a idéia de um rapper branco fazer sucesso também não parecia muito provável - e agora Eminem é o mais famoso nome do hip-hop. Quem sabe o que o futuro aguarda para Qboy, Deadlee e sua turma?